Franciscanismo

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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Espaço de estudo


O mundo como "convento"
À primeira vista, também Francisco e Clara foram marcados pelo espírito de dualismo. Jejuavam e mortificavam-se, tratavam mal o seu "irmão jumento", quer dizer, seu próprio corpo, com tanta dureza que chega a ser quase incompreensível hoje em dia. Os dois "saíram do mundo". Francisco usou esse termo para expressar que o beijo que deu ao leproso significava realmente uma mudança radical na sua própria vida. Com esse passo, porém, não chegou a um estado extraterrestre, muito pelo contrário.

Talvez seja bom, relembrar aqui o trecho onde o próprio Francisco descreve sua conversão: "Foi assim que o Senhor me concedeu a mim, Frei Francisco, iniciar uma vida de penitência: como estivesse em pecado, parecia-me deveras insuportável olhar para os leprosos. E o Senhor mesmo me conduziu entre eles e eu tive misericórdia com eles. E, enquanto me retirava deles, justamente o que antes me parecia amargo se me converteu em doçura da alma e do corpo. E depois disto demorei só bem pouco e abandonei o mundo" (Test 1-3).

Em primeiro lugar, é preciso chamar atenção ao fato de que Francisco encontrou Deus no mundo, no abraço de um pobre excluído, desprezado e miserável, no encontro com a miséria social, que o confrontou na pessoa de um leproso. Portanto, Francisco abandonou um certo tipo de "mundo", ou seja, o mundo marcado pela desumanidade, que continua produzindo sempre novos "leprosos". E ele se integrou num outro mundo: num mundo caracterizado pela compaixão, que resgata o leproso, reintegrando-o no meio da sociedade. Francisco quer um mundo que termina com todas as formas de exclusão e onde se consegue chegar à experiência de Deus; assim como acontece num encontro autêntico, num abraço amigo, num beijo.

Que Francisco, de fato, não deixou o mundo, mas considerava o mundo como um lugar próprio para sua nova forma de vida, é demonstrado, por exemplo, pela nova lei que deu à sua fraternidade: "Quando os irmãos andarem pelo mundo, (devem encarnar o espírito do Evangelho)" (RegNB 14). Francisco concebia a sua comunidade como uma fraternidade nômada: Não devia fixar-se definitivamente em lugar nenhum, nem nos montes, nem nos vales. Ao máximo, poderia repousar-se por um pouco de tempo, para depois partir novamente e continuar a caminhada.

Num jogral maravilhoso, chamado "Sacrum Commercium", que foi escrito em meados do século XIII por um franciscano desconhecido, conta-se com a "Senhora Pobreza" pediu aos frades que lhe mostrassem o seu convento. "Conduziram-na a um certo monte, mostraram-lhe a região toda que se podia ver, e disseram: Senhora, este é o nosso convento!" (SCom 63).

O mais famoso poema escrito por São Francisco, "O Cântico do Irmão Sol", não é outra coisa do que uma transposição quase litúrgica - em forma de hino - de uma espiritualidade profundamente secular.

Portanto, seria muito proveitoso procurar ler também os outros escritos de Francisco sob um ângulo "secular". Comparemos, por exemplo, a "Regra Não-Bulada" com a "Carta aos Fiéis".

A Regra Não-Bulada é o fundamento da Primeira Ordem, assim como a Carta aos Fiéis é o fundamento da Ordem Terceira. Por via de regra, encontramos poucos trechos na Regra que não poderiam estar também na Carta, e vice-versa. Além disso, muitas das frases são quase idênticas. Isto obriga concluir que tanto a Primeira como a Terceira Ordem, e provavelmente também a Segunda Ordem, são mantidas pela mesma dinâmica espiritual, ou seja, é preciso procurar, encontrar e testemunhar Deus no mundo. Em outras palavras, nossa missão não consiste em outra coisa do que sermos testemunhas de Deus no mundo..

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