Franciscanismo

Total de visualizações de página

Pesquisar este blog

sábado, 13 de junho de 2009

Os traços do Rosto Franciscano

Nós temos um rosto, rosto conhecido, com traços acentuadamente evangélicos, traços admiráveis em si e admirados por meio mundo. É o nosso rosto franciscano. Ninguém de nós, possivelmente, quererá mudar de rosto. Temos orgulho dele, embora sintamos necessidade de retocá-lo, de tempos em tempos, diante dos espelhos da nossa casa.

Sem nos ocuparmos com o rosto dos outros, que podemos aplaudir mais ou menos, sentimo-nos felizes com o rosto teológico-espiritual-existencial que temos. Este rosto tem muita história, vem lá do fundo dos tempos, e teve um primeiro escultor: São Francisco de Assis, a quem Pio XI chamou de "um quase Cristo redivivo".

Em sua cola, seguiram-se muitos outros escultores, que foram aprimorando os traços do nosso rosto, sempre fiéis à inspiração original. Ele foi tomando sempre mais o jeito do rosto de Cristo. Poderíamos perguntar-nos se não houve deformações, se não se acrescentaram traços estranhos? Não seria o caso de negá-lo.

Mas o rosto continua aquele, que nos encanta e fascina, que nos desafia e provoca. Hoje, com um esforço que já tem seis anos, estamos tentando resgatar os traços deste rosto para nossa ação evangelizadora.

Como franciscanos, qual é a nossa vocação? Nossa vocação, e razão de ser na Igreja e no mundo, é seguir Jesus Cristo, vivendo encantados por ele, como fraternidades evangelizadoras.

Na base deste encantamento vocacional, já não existem, em verdade, perguntas para uma definição, mas tão-somente tentativas de respostas para uma adesão mais superlativa.

Para nós, viver é Cristo. Cristo é a nossa vida. Cristo é nossa vida e morte, é o ar que respiramos, é o chão que queremos pisar.

A qualquer franciscano, pede-se apenas que saiba ler o evangelho vivo que é Jesus, porque Jesus é a palavra que devemos entender e a vida que mais prezamos e desejamos partilhar com todas as pessoas.

Nenhum outro projeto pode, por conseguinte, tomar o lugar de Cristo. Cristo é a forma minorum, o projeto matriz da nossa forma vitae

Por definição, somos arautos do Grande Rei, a ele pertencemos numa aliança de vida e morte. Ele é o tesouro onde deve estar nosso coração.

Como ninguém é avaro e vive só para si, à vocação segue-se o imperativo da missão evangelizadora que é nosso modus vivendi. Vivemos para o Reino, como frades e como fraternidade. O mundo é nosso convento. A evangelização é o nosso apanágio.

Como frades, somos chamados a semear, a ir aos areópagos, a não ter outra missão senão a de pregar o evangelho, curar os doentes e leprosos e expulsar os demônios. Esta é a nossa missão em sentido amplo. Num sentido estrito, nossa missão tem um endereço certo e obedece a uma inequívoca opção: a vida e a casa dos pobres, dos mais pobres.

Estes são, como desde o início foram para São Francisco, os novos e privilegiados areópagos da missão franciscana. Como Cristo, os pobres são o tesouro do nosso coração evangelizador.

Mas para bem evangelizarmos os pobres, temos que evangelizar, primeiro, as nossas pobrezas, mudando e curando as raízes do nosso eu. Isto inclui evangelizar nossos medos e aversões, evangelizar nosso modo pecador de ser e o barro de nossa vida. Em outras palavras, importa ser, fazer-se e sentir-se menor.

E este minorismo que, purificando-nos de ambições e vontades pessoais, de sonhos plausíveis mas não de grupo, dará força para sermos fraternidades evangelizadoras.

» IDENTIDADE FRANCISCANA

Colocadas estas duas premissas - vocação e missão -, podemos nos voltar para a identidade e elencar os valores do nosso modus vivendi e operandi. Podemos perguntar-nos: De onde nasceu a inspiração franciscana para nosso viver e agir?

As Fontes testemunham que o móvel de ser e de agir de Francisco lhe veio, em verdade, de dois exemplos: o de Cristo: crucificado, fora dos muros de Jerusalém, e o dos leprosos execrados, fora das muralhas de Assis.

O primeiro se fez, para Francisco, ordem irrecusável, quando o mandou reconstruir Sua Igreja. E os leprosos, os homens das dores da Idade Média, cobraram-lhe a gratuidade de um beijo, que lhe foi, inicialmente, penoso, mas que, finalmente, lhe encheu a alma de gozo e doçura.

Estes dois encontros abriram-lhe a alma para os grandes valores de nossa espiritualidade: a providência de Deus e o amor pela signora e donna povertá: o relacionamento casto com Clara e com todas as mulheres; a convivência benévola com os irmãos e estranhos, ladrões e sultões, prelados da Santa Igreja e pobres de todas as pobrezas; a cordialidade para com todas as criaturas, lobos e cotovias, riachos congelados e pessegueiros em flor.

Exortava os irmãos a que pregassem a Paz e ensinava-lhes que a única tristeza possível seria a do pecado. Rezava e queria que rezassem. Ele mesmo foi feito uma sarça ardente de oração, porque não só se ajoelhava diante de Deus, como reverenciava até mesmo os indignos ministros do sacratíssimo Corpo do Senhor.

Mesmo sem castelos, foi cavaleiro e tinha um espírito repassado de cortesia. Cultivou dois locais emblemáticos para a espiritualidade franciscana: viveu no estábulo de Rivotorto e na capelinha da Porciúncula. No primeiro tinha a companhia de animais; no segundo, a dos anjos que esvoaçavam em tomo à Santíssima Virgem.

A cada ano, fazia questão de levar dois peixinhos do riacho que corria junto à igrejinha para o Abade de Monte Subásio, deixando claro que a Porciúncula continuava sendo dele, mesmo sendo o berço da Ordem e o lugar afetivo em que cortara as tranças da Irmã Clara. Tinha entranhada devoção filial à Santa Mãe de Deus e ardente paixão pela humanidade de Jesus.

À moda de conclusão, não ignorando as muitas falhas desta sumária lista de valores, diríamos que a identidade franciscana tem as seguintes caraterísticas que lhe dão um rosto inconfundível: ela é casta e livre, é de serviço e de companhia, é misericordiosa e universal, é alegre e de paz. É vertical e horizontal, como uma cruz que é de vida e morte.

Francisco não teve vaidades, jamais foi arrogante, embora a graça de Deus o trabalhasse generosa e visivelmente. Não alimentou sentimentos de inferioridade diante de reis e príncipes, nem foi mesquinho e insensível frente aos necessitados, mas só sentia inveja de irmãos que pudessem ser mais pobres do que ele. "Ao chegar aos pobres, não se contentava em dar-lhes o que possuía.

Desejava dar-se a si mesmo e, quando já não tinha mais dinheiro, entregava suas vestes, descosendo-as ou rasgando-as às vezes para as distribuir" (LM 1,6). Foi firme com os gananciosos e desarmado diante dos poderosos. Paciente nas tribulações e doenças, não apreciava títulos e honrarias e queria que todos fossem simplesmente irmãos. A si mesmo se considerava menor, pecador e indigna criatura do Deus Altíssimo.

Por isso, "seu modo de vida o transformou radicalmente: nas idéias e sentimentos, nas vestes e no comportamento" (LM 2,1). Como arauto do Grande Rei, morreu deixando para a história a imagem de um crucificado e colocando nas mãos de seus seguidores a bandeira da Paz e do Bem.

» A UTOPIA FRANCISCANA

Dentro do mundo dividido por roupas bufantes e andrajos vis, medos e discriminações, classes e guetos, São Francisco entendeu que a mais radical mensagem evangélica vinha do céu, mas tinha que ser construída, aqui, na terra. Cristo trouxe a morte dos exclusivismos, decretou o fim dos privilégios e abriu as portas do banquete para todos, indistintamente.

Na pregação de Cristo, o paraíso não tem cercas. Nem o convento. Por causa do fratemismo. Pobres, doentes e pecadores são os privilegiados destinatários do anúncio da Boa Nova. Com Cristo, o Reino de Deus chegou e são reinagurados os tempos divinos da Fraternidade definitiva. Somos todos irmãos, porque temos todos um Deus que é igualmente Pai de todos.

Isto São Francisco intuiu e quis dar corpo a esta realidade dentro e fora da Ordem..Por isso, não quis que ninguém fosse Abade ou Prior, mas que todos fossem simplesmente irmãos. Fora dos conventos, também. A começar pelos leprosos, pelos pecadores e por Dona Pobreza, todos deveriam ser tratados da mesma forma. IRMÃO, eis o grande título resgatado pela utopia franciscana!

SER IRMÃO é o maior e o único titulo de honra dentro da espiritualidade franciscana. Não só Deus lhe deu irmãos, mas quis que os frades, como irmãos, fossem pais e mães uns dos outros. Uns dos outros e de todas as criaturas.

Outros poderão ostentar nobilíssimos apanágios: o nosso, o apanágio franciscano, é o de ser irmão, dentro e fora dos conventos. Seremos franciscanos, quando irmãos em espírito e de verdade.

Formar um frade é formá-lo para ser irmão. Trabalhar como frade é servir como irmão. Viver como franciscano é viver, teimosamente, como irmão.

Podemos não ter outras virtudes, mas só a falta de fraternismo adulteraria nossa identidade e nos excomungaria da utopia franciscana. Santos seremos e nos santificaremos junto com os outros na cruz da convivência fraterna. O nosso maior pecado, o pecado mortal de nossas vidas, por isso, será o da falta de amor fraterno.

Entre nós, quem não for irmão será um estranho no ninho. O maior elogio que podemos dar a uma pessoa é o de chamá-lo de irmão. Esta é a nossa utopia, a utopia franciscana para a qual devemos, como Província, somar alma e coração.

Frei Neylor, irmão menor e pecador

Nenhum comentário: