Franciscanismo

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sábado, 30 de maio de 2009

FUNDAMENTO BÍBLICO-PROFÉTICO DA MISSÃO FRANCISCANA

COMO FRANCISCO MANDOU ADVERTIR O REI OTÃO

Certa vez, quando queria ensinar a seus irmãos que Deus é o único necessário, São Francisco recolheu-se com eles em Rivotorto. Neste lugar, retirou-se numa cabana abandonada onde procurava o encontro com o Senhor.

 Passava por ali, naquele tempo, o Rei Otão, para receber em Roma a coroa do império terreno. O santo pai Francisco e seus companheiros, cuja cabana ficava à beira do caminho, apesar do enorme ruído e pompa, nem saiu para vê-lo nem permitiu que ninguém olhasse, a não ser um, para anunciar-lhe repentinamente que sua glória ia durar pouco.

 Neste incidente, Francisco se assemelhava a um profeta do Antigo Testamento. Fez como Eliseu que mandou seu servo ao encontro de Naamã, o grande comandante das forças armadas do rei dos arameus (cf. 2Rs 5; Lc 4,27). Também Francisco indicava aos grandes deste mundo onde se encontra a verdadeira grandeza (cf. 1Cel 43).

 

I. INTRODUÇÃO

 

Não pôr outro fundamento senão aquele que está posto

 

"Pois, quanto ao fundamento, ninguém pode pôr outro senão aquele que está posto", eis a intenção de Francisco de Assis (1Cor 3; 11; 1Cel 18). Conscientemente, se identificou com a tradição bíblica. Por isso, o movimento franciscano também terá que incorporar-se na tradição judaico-cristã.

Daí a necessidade de buscar estes fundamentos, talvez desconhecidos, e de estudá-los, caso ainda não estivermos conscientes de sua existência.

1.2. O VERDADEIRO PONTO DE PARTIDA: OS PROFETAS BÍBLICOS

Não é lícito, portanto, deduzir a vida religiosa de uma palavra do Novo Testamento. Mas isto não quer dizer que ela na tenha fundamento bíblico algum. As suas raízes, pelo contrário, mergulham profundamente na tradição bíblica. Em última análise, remontam ao movimento profético do povo de Israel, destinado a alcançar o seu ponto máximo em Jesus e seus discípulos, para desembocar depois na vida religiosa, na qual recebeu as mais variadas expressões, sendo uma delas a forma escolhida por São Francisco.

II. VISÃO DE CONJUNTO

Livrar-se de noções errôneas sobre os fundamentos bíblicos da missão franciscana

A pergunta pelos fundamentos bíblicos da missão franciscana merece mais do que uma resposta superficial. Veremos que será necessário primeiro acabar com noções errôneas antes de atingir o essencial. A vocação do movimento franciscano situa-se no mesmo nível que a vocação do povo de Israel. Trata-se de uma aliança que Deus conclui com um povo. Este povo lhe será obediente, vivendo em comunhão amorosa com o Senhor e conduzindo outros a Deus pelo serviço sacerdotal, visto que será repleto da santidade de Deus.

A partir deste fundamento, será necessário falar dos profetas e das comunidades proféticas. Surgiam cada vez que Israel se mostrava infiel à sua vocação.

Observando atentamente, é possível constatar que Jesus e a Igreja primitiva estão incorporados, igualmente, à tradição profética. A vocação de Israel se cumprirá em uma Nova Aliança.

Enquanto a Igreja ainda não perdera o seu vigor, enfraquecida pelo inter-relacionamento com a sociedade profana, não havia necessidade de uma vocação profética. Essa necessidade surgiu a partir de um acontecimento histórico quando, no ano 325 dC, durante o império de Constantino, o cristianismo foi declarado religião do Estado. A partir daí, voltaram a aparecer pessoas que assumiam a tarefa dos profetas; ou seja: religiosos e religiosas, que procuravam manter-se fiéis aos ideais da Igreja primitiva e pautavam o seu estilo de vida de acordo com esse modelo.

Finalmente, será preciso perguntar qual o lugar que Francisco ocupa dentro desta tradição profética e, derivadas daí, quais as exigências que se apresentam à família franciscana. 

2.1 OUVIR

Se o povo de Deus não for um povo atento, capaz de ter o ouvido apurado para distinguir a voz de Deus, então de deixa de existir como povo. A palavra hebraica "ouvir" (= shamah) é a mesma que "obedecer", "responder". O elemento constitutivo, portanto, que faz do povo um "povo de Deus", é, em primeiro lugar, a abertura para Deus, e o tempo que emprega para ouvir o que a voz de Deus declara, aqui e agora.

2.2. MANTER A ALIANÇA

É difícil explicar exatamente o significado da palavra hebraica berith (= aliança). Paulo, por sua vez, a traduziu pela expressão grega diatheke que quer dizer: "testamento". Indica o mistério que há no nosso relacionamento com Deus e entre nós. Porém, como exprimir o inexprimível, como captar por palavras o profundo mistério da vida? No Antigo Testamento, muita gente se esforçou por fazê-lo, lançando mão de comparações. Oséias compara a relação entre Deus e a humanidade como o relacionamento de amor que deve existir entre homem e mulher. Duas pessoas humanas que se unem para uma vida em comum, não somente pela sua proximidade sexual, pela qual celebram seu amor, mas pela totalidade de sua vida partilhada. Oséias, porém, reconhece que essa comparação é insuficiente. Começa, então, a utilizar outra imagem:apela ao amor dos pais pelos filhos (Os 11). Talvez fosse possível traduzir a palavra berith por "comunidade". Mas também esta palavra tem vários significados. Parece isto inevitável, uma vez que também a nossa relação com Deus é multifacetada e pluriforme. Os israelitas, assim como nós também, precisavam buscar sempre novas expressões para descobrir o que significa ser "o povo de Deus". Nós, tampouco, somos capazes de explicar o que significa pertencer a um povo que fez aliança com Deus. Por isso, temos de procurar sempre novas maneiras de celebrar e de viver essa aliança. Somente assim outras pessoas podem chegar, um dia, a entender porque somos como somos. Então chegará hora deles, de questionar a própria vida. 

2.3. SER SACERDOTAL

Acabamos de dizer que a Aliança tem quer ser celebrada. O povo de Deus precisa ser um povo sacerdotal. Em outras palavras: precisa transmitir a realidade de Deus. A maneira como nós vivemos conduzirá outros a reconhecerem o Deus invisível. É a comunidade que tem que ser capaz de chamar a atenção dos outros para que cheguem a captar a presença de Deus vivo. Conseguirá isto à medida que vive, ama, confia, partilha e celebra junto. Portanto, é preciso estar consciente do fato de que uma existência verdadeiramente sacerdotal inclui necessariamente o anúncio da Boa-nova. Seu significado é: chamar a atenção de outras pessoas para o Deus vivo de Amor e conduzi-los a entregar-se a Ele. Isto acontece não tanto por meio de palavras, quanto maneira de viver.

2.4. SER SANTO

Essa forma de vida dever santa. Na Bíblia, "santidade" significa: pertencer a Deus, saber-se acolhido pela realidade de Deus, participar de sua vida e de seu amor, estar submerso naquele outro, totalmente diferente, que é Deus.

Santidade significa também: olhar a vida e o mundo a partir do ponto de vista de Deus, procurar um estilo de vida que tenha como referência este ponto de vista. Assim, o círculo se completa: o mergulhar na realidade Deus equivale a um contínuo escutar a voz de Deus .

Até um dos profetas mais sublimes, Elias, teve de aprender que Deus não falar sempre do modo como a gente gosta ou pensa (1Rs 19). Esperava que Deus se manifestasse ao seu povo através de uma grande tempestade, de um terremoto ou de um incêndio. Esperava um linguagem que abalasse e assustasse. Deus, porém, não quis manifestar-se assim. A sua linguagem foi semelhante a "uma brisa suave e amena". Só pode ouvir bem quem estiver aberto a todas as possibilidades que Deus usa para manifestar-se. Somente assim, um povo pode ser santo. Somente assim, é capaz de ser um povo que fez aliança com Deus.

3. OS SACERDOTES

Havia, no povo, um grupo especial de pessoas, destinadas quase profissionalmente a "ouvirem a voz de Deus". Eram os sacerdotes. A sua tarefa primeira era: anunciar a torah. Infelizmente, o judaísmo ulterior confundiu, com freqüência, torah e Lei escrita. Assim surgiu a impressão errônea de que tudo o que Deus quis manifestar já estava contido integramente na Lei. No início, não era assim: a palavra torah será sinônimo de Vontade de Deus.

Uma segunda tarefa, menos importante, dos sacerdotes era o culto religioso. Porém, quando o culto começou crescer em importância, assumindo o primeiro lugar, o anúncio da torah teve que sofrer. O sentido da liturgia é: ajudar o povo a celebrar o seu relacionamento com Deus e o relacionamento entre si. Por desgraça, quando a torah já não era mais conhecida, também não se tinha mais clareza sobre esse relacionamento. Sem a torah, sem a procura atenta da vontade de Deus, o ritual litúrgico começou a esvaziar-se, não passando de um invólucro vazio e de uma série de fórmulas sem sentido. Aí o povo chegou a imaginar que seria possível manter Deus favorável por meio de manipulações. Nesta hora, o culto religioso deixou de ser a expressão de um relacionamento vivo e real.

A perda da vocação sacerdotal conduziu a uma crise de identidade do povo hebraico:

"Pois, na realidade, o meu processo é contra ti, ó sacerdote. Tropeçarás de dia, e de noite tropeçará contigo também o profeta... Meu povo será destruído por falta de conhecimento. Por teres rejeitado o conhecimento, eu te rejeitarei do meu sacerdócio; por teres esquecido o ensinamento de teu Deus (= torah), eu também me esquecerei de teu filhos" (Os 4,4-6).

"Conhecer" (= yada) não se refere a um conhecimento teórico, mas ao conhecimento de uma pessoa, que pode chegar até o ponto de fundir duas vidas em uma só. No seu significado mais profundo, esta palavra é usada para celebrar a unidade total entre homem e mulher: "O homem, Adão, conheceu Eva, a mulher" (Gn 4,1). O problema, visto por Oséias, não era o conhecimento insuficiente do "catecismo", por parte do povo, mas o fato de o povo ter deixado de amar a Deus. "Suas obras não lhe permitem voltar para o seu Deus, pois um espírito de prostituição está dentro deles, e eles não conhecem o Senhor" (Os 5,4).

Esta mesma significação impregna as palavras de São Paulo, quando escreveu, anos depois de sua conversão: "Anseio pelo conhecimento de Cristo" (Fl 3,10). Não se queixa de não ter bastante tempo para prosseguir nos seus estudos cristológicos, mas anseia por uma intimidade mais profunda com o Senhor.

4. OS PROFETAS

Mais uma vez: os sacerdotes descuidaram do anúncio da torah. Como conseqüência, o povo já não "conhecia" mais o seu Deus, isto é, não vivendo mais em união amorosa com Ele, submergiu em uma profunda crise de identidade. Era preciso que Deus mesmo interviesse. Chamou os profetas. A tarefa deles era: recordar aos sacerdotes a sua obrigação primitiva. Devia reconduzir o povo à sua vocação primeira, vale dizer, à vocação de constituir um povo que ouça, que vive em comunhão com Deus, de maneira sacerdotal e santa.

Um profeta é uma pessoa que "não permite que os meios sejam utilizados como fins, e que ritos exteriores sejam celebrados tendo por finalidade a si mesmos; (um profeta) é uma pessoa que nos lembra, continuamente, que a verdadeira significação do tempo presente está escondida no futuro, ou em um nível mais elevado; é uma pessoa que persistentemente aponta para o Espírito, oculto atrás de todas formas exteriores e além de todas as letras escritas" (Y. Congar).

Os profetas surgem em tempo oportuno. "Sob que condições podem surgir profetas? Pode-se responder muito simplesmente: cada vez que há falta deles! Porém, quando é que fazem falta? Em épocas em que a comunidade esquecia a sua vocação, ficando, de certo modo, inativa e presunçosa. Pois, isto a torna incapaz de cumprir a sua missão, não percebendo mais em que consistia essa missão. Cada vez que o povo alcançava um bem-estar terreno, por meio de guerras, de política hábil ou de comércio lucrativo, sucumbia à tentação de esquecer a sua dependência ao chamado de Deus, perdendo assim a sua razão de ser. Então, já não tinha consciência da sua vocação de povo de Deus e acabava acreditando pertencer somente a si mesmo, tendo Deus, porém, ao seu lado. Nestas horas, a missão dos profetas consistia, essencialmente, na obrigação de reconvocar o povo à sua vocação" (R. Haugthon).

4.1 PROFETAS INDIVIDUAIS

Sempre de novo, surgiam grandes personalidades, repetindo e relembrando o chamado profético ao povo. Infelizmente, costumamos automaticamente associar a idéia de "profeta" ao conceito: "palavra" ou "sermão". Porém, antes de falar com a boca, o profeta verdadeiro dava testemunho pela sua vida. Não teria credibilidade se ao seu estilo de vida não fosse como um espelho que refletia a mensagem que recebeu para transmitir.

A mensagem essencial dos profetas, portanto, reflete-se na intensa e ininterrupta convivência com Deus. Além disso, Deus convoca os profetas para que realizem ou deixem de realizar certos atos, desafiando assim o povo. Oséias, por exemplo, mostra o seu coração alquebrado e apreensivo por causa da infidelidade de sua esposa, dando nomes aos seus filhos, que chamam a atenção do povo. Um é chamado: Lo-ruhama (= "desapareceu o amor") e outro: Lo-ami (= "a aliança foi rompida"). Isto constituiu um verdadeiro desafio ao povo, exigindo dele que repensasse o seu relacionamento com Deus (Os 1,8; ver também Jr 13 e 16 e Ez 4; 5; 12 e 24).

O profeta Jeremias deu um sinal sobremodo impressionante (Jr 13). Foi obrigado por Deus a passar pela cidade, mostrando o seu cinto sujo, malcheiroso e semi-apodrecido, quer dizer, uma peça de roupa que normalmente se colocava sobre o corpo como sinal da íntima união existente, ou seja, que deveria existir entre Deus e o seu povo de Israel.

Em outras palavra: Jeremias procurava abalar o povo, que já havia abandonado a proximidade de Deus, afastando-se para longe dele, chegando a ser um povo sujo, fedorento, apodrecido, por causa dos seus pecados e das suas infidelidades. No capítulo 16, Jeremias dá toda uma lista de possibilidades, desafiando o povo mais pela sua vida do que pelas suas palavras. Também Ezequiel (cf. Ez 4; 5; 12; 24) chegou a colocar um sinal por sua vida e suas ações, denunciando a preguiça, a superficialidade, auto-suficiência e a falsa escala de valores do povo.

4.2 AS COMUNIDADES PROFÉTICAS

Existiam também comunidades proféticas, que davam testemunho profético através de sua vida comunitária e de um certo estilo de vida. Por exemplo, os discípulos de Isaías separam-se do povo para ouvir e interiorizar a palavra profética. Queriam servir de "sinais e presságios da parte do Senhor todo-poderoso" (Is 8,18).

Um outro tipo de comunidade profética foi formado pelos nazireus, dos quais conhecemos ainda as regras e os estatutos (Nm 6). Deviam abster-se de vinho e de qualquer bebida alcoólica. Essa renúncia visava relembrar ao povo a caminhada pelo deserto, quando vivia como nômade, privando-se do vinho e de muitas outras amenidades que uma vida normal de camponeses sedentários oferecia. Pois a boa vida afastava o povo da fidelidade e da abertura para Deus. A segunda proibição: "Enquanto durar o voto de nazireato, a navalha não passará sobre a cabeça" (cf. Nm 6,5) visava o mesmo fim: o povo devia recordar-se do tempo em que vivia sob condições primitivas no deserto. De fato, é possível deduzir o quanto o povo se sentiu questionado pelo estilo de vida e o modo de proceder dos nazireus, pois tentou fazê-los calar (cf. Am 2,11s).

Outra comunidade profética nos é dada a conhecer através de Jeremias (Jr 35). Os recabitas que não somente renunciavam ao vinho, mas viviam como verdadeiros nômades: "Nunca bebemos vinho, nem nós, nem nossas mulheres, filhos e filhas, não construímos casas para morar, nem possuímos vinhas, campos ou sementeiras; mas vivemos em tendas" (Jr 34,8). Foram sinais vivos, recordativos, das origens do povo de Israel, o êxodo do Egito e a caminhada pelo deserto. O povo de Israel, comparado à esposa de Javé pelo profeta Oséias, recordava constantemente, com uma certa saudade, aquele tempo ideal: "Por isso, eu mesmo a seduzirei, conduzirei ao deserto e lhe falarei ao coração... Lá ela responderá como nos dias da juventude, como no dia em que subiu do Egito" (Os 2,16-17).

É o mesmo testemunho que ainda podemos ouvir no Novo Testamento:

"Mas tenho contra ti que deixaste o primeiro amor. Considera de onde caíste, arrepende-te e pratica as primeiras obras" (Ap 2,4-5).

O testemunho profético não exigia dos outros que imitassem o estilo de vida da comunidade profética. Porém, a sua forma de vida devia servir de desafio, estimulando o povo a uma maior doação e à reordenação das suas prioridades.

4.3 COMPROMISSO PROFÉTICO EM FAVOR DOS POBRES E DA JUSTIÇA

Vimos que os profetas, assim como as comunidades proféticas, procuravam fazer valer de novo, nas suas vidas e pela pregação, a torah, quer dizer, a vontade de Deus. Essa vontade de Deus, porém, não pode ser cumprida, enquanto os ricos exploram os pobres. Por isso, os profetas questionaram não somente elementos do culto judaico, mas até o próprio culto. "O povo celebrava assim o seu estilo de vida, menosprezando a vontade de Deus, que se colocava de modo inequívoco do lado dos pobres" (B. Flammer).

"Procurai-me e viverei! Mas não procureis Betel, não entreis em Guilgal", profetizou Amós (Am 15,4-5). Portanto, o que conta não é uma piedade desligada da responsabilidade social, nem é um culto religioso que serve unicamente à auto-afirmação do povo, nem são os lugares sagrados onde os pobres não tem vez.

"Procurar por Javé, o advogado dos pobres, é a mesma coisa que fazer justiça ou superar o prejuízo causado aos pobres e fracos. Um verdadeiro culto a Deus cria justiça social. No meio das celebrações do povo, quando a música inundava tudo e os coros enchiam o ambiente com seu júbilo, quando a gordura dos animais imolados em sacrifício escorria pelas ruas da cidade, o profeta Amós reagiu: 'Que o direito corra como a água e a justiça como rio caudaloso' (Am 5,24)" (B. Flammer).

Em toda a literatura profética do Antigo Testamento, reencontram-se sempre os mesmos temas fundamentais: o verdadeiro culto a Deus manifesta-se no serviço aos pobres, no senso comum (= hesed) e no engajamento em uma verdadeira justiça entre os homens.

5. A INTENÇÃO PROFÉTICA DO NOVO TESTAMENTO

O povo do Antigo Testamento foi sempre reconvocado à fidelidade por personalidades ou grupos proféticos, que lhe relembravam sua vocação primeira. Será que o Novo Testamento trouxe algo de totalmente novo, ou será que acabou alinhando-se nitidamente, nesta tradição profética? 

5.1 JESUS E SEUS DISCÍPULOS 

Dentro da jovem comunidade cristã, Jesus foi considerado um profeta. E ele mesmo assumiu sua tarefa como tal, de outro modo não poderia ter declarado: "Só em sua pátria e em sua casa o profeta é desprezado" (Mt 13,57). Ele e aqueles aos quais se dedicava reconheceram que a sua missão estava na linha do carisma profético (Mt 16,24; 21,11.46). Como um profeta, juntou discípulos em volta de si, visando derrubar o legalismo e a autoridade absoluta das instituições da religião judaica e animando o povo a retornar à sua vocação original:

"Ele lhe disse: 'Amarás o Senhor teu Deus, com todo teu coração, com toda tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. Mas o segundo é semelhante a este: Amarás o próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas'" (Mt 22,37-40).

Não é nenhuma doutrina nova, mas uma citação textual da Sagrada Escritura dos judeus (Dt 6,5; Lv 19,18).

Convocava os seus discípulos a uma comunidade de amor:

"Eu vos ordeno que vos ameis uns aos outros" (Jo 15,17). "Um novo preceito eu vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Todos hão de conhecer que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros" (Jo 13,34).

Portanto, Jesus viver com seus discípulos, dentro da comunidade judaica, a vocação original do povo de Israel. Importa ainda chamar a atenção para dois outros fatores:

- Jesus e os seus discípulos religavam sua vida à existência de muitos grupos proféticos. Obrigava-os a deixar tudo: a própria casa, a família, tudo quanto possuíam. Jesus não tinha onde reclinar a cabeça. Juntos peregrinavam pelo país, como um grupo profético, anunciando a Boa-nova aos pobres (Lc 4,16-30), partilhando a sorte deles. Queriam trazer a paz do reino de Deus, renunciando a toda violência e legando a paz no próprio coração. Os meios correspondiam ao objetivo.

- Como os profetas do Antigo Testamento, também Jesus e os seus discípulos, assumiram a causa da justiça e dos pobres, que - carentes de qualquer esperança terrena -, esperavam tudo só de Deus. Contra os representantes oficiais do judaísmo, Jesus colocou-se junto com os seus seguidores, ao lado dos pobres. Convém verificar o quanto esta atitude se integra na tradição profética. A prova disso é a expulsão dos vendedores do templo. "Está escrito: 'Minha casa será chamada casa de oração'" (Mt 21,12-13) e não uma casa onde os forasteiros e os pobres estão sendo discriminados (cf. Is 56,1-8).

5.2 A IGREJA

Para caracterizar a relação íntima existente entre Jesus e os seus discípulos, São Paulo utiliza a palavra koinonía. Esta palavra foi traduzida muitas vezes por "comunidade" ou "comunhão". Na Septuaginta, a tradução grega do Antigo Testamento, a palavra koinonía é utilizada unicamente para indicar pessoas que colaboram numa mesma obra ou numa mesma ação. Paulo, porém, emprega esta expressão ao falar da comunidade, onde o Filho de Deus entrou para transformá-la numa koinonía. As relações dentro de um tal grupo, são tão estreitas e densas que se dizia: somos uma koinonía no Espírito:

"O que vimos e ouvimos, nós também vos anunciamos, a fim de que também vós vivais em comunhão (koinonía) conosco. Ora, nossa comunhão (koinonía) é com o Pai e seu Filho, Jesus Cristo" (1Jo 1,3).

A realidade fundamental da Igreja é: ser comunidade, povo, koinonía, Corpo de Cristo. A Palavra de Deus nos convida a isso. Foi essa a finalidade pela qual Jesus veio ao mundo. A Igreja não tem outro sentido. Paulo teria ficado consternado se lhe fosse dado ouvir religiosos modernos falarem: "Vamos formar uma comunidade!" Se fossem capazes de fazer isso sem o Senhor, então a vinda de Jesus teria sido supérflua. Porém, somente Ele é capaz de formar comunidades, reconciliando judeus e pagãos.

"Pois, é Ele a nossa paz. Ele, que de dois fez um só povo, derrubando o muro de separação, a inimizade, em sua própria carne; anulando a Lei dos mandamentos expressa em decretos, para fazer em si mesmo, dos dois, um só homem novo, estabelecendo a paz e reconciliando ambos com Deus num só corpo pela cruz; e matando em si mesmo inimizade" (Ef 2,14-16).

Compete a nós celebrar isto e realizar na vida aquele projeto que o Cristo nos trouxe. São Lucas o entendia assim:

"Freqüentavam com assiduidade a doutrina dos apóstolos, as reuniões em comum, o partir do pão e as orações" (At 2,42).

Esta descrição constitui o modelo fundamental para todas as comunidades eclesiais, nos primeiros dois séculos. Viviam como Igreja clandestina. Era perigoso ser cristão. Ajudavam-se mutuamente e viviam segundo o Evangelho. Os quatro evangelhos surgiam para ajudar as comunidades a viverem como koinonía, como Corpo de Cristo. Foram escritos pela comunidade e para a comunidade, para darem respostas às suas próprias perguntas.

Como os homens do Antigo Testamento, também os cristãos responderam ao chamado de Deus. Queriam estar atentos à voz de Deus, vivendo em íntima união com Ele, transmitindo, por uma ação sacerdotal, uma imagem fiel d'Ele estando imersos na santidade divina. Naquela época não havia necessidade de comunidades proféticas, pois a Igreja, ela mesma, era a única comunidade profética.

6. AS ORDENS RELIGIOSAS COMO COMUNIDADES PROFÉTICAS

Como surgiram as Ordens religiosas? Qual a sua finalidade dentro da Igreja?

6.1 UMA SITUAÇÃO MUDADA

No início do século IV, a situação da Igreja mudou profundamente, a partir do Imperador Constantino, e mais tarde, sobretudo, quando o cristianismo foi declarado "religião do Estado".

A Igreja não tinha mais necessidade de viver clandestinamente. Já não era oprimida ou perseguida, mas, pelo contrário, tornara-se um lugar de refúgio para todos. Para poder ser funcionário do Estado ou trabalhar em qualquer repartição pública, era preciso ser membro da Igreja. Na mesma proporção em que crescia o número de cristãos, crescia igualmente o grau de mediocridade e de superficialidade na fé.

A decadência da vida cristã levou à necessidade de inventar uma quantidade de estruturas, instituições e organismos, grandes casas e muitos ofícios, para organizar esta multidão. A Igreja primitiva de tudo isto não precisara, de maneira que não existiu nenhuma vida religiosa nos primeiros séculos do cristianismo, exceto alguns eremitas e profetas solitários, mas não havia ainda uma vida religiosa estruturalmente organizada.

6.2 O MODELO DA IGREJA PRIMITIVA

Começou, então a repetir-se a mesma evolução que já havida se dado no Antigo Testamento: a institucionalização e a profecia condicionavam-se uma à outra. Os chefes da Igreja mantinham uma máquina bem lubrificada, em vez de fomentar as comunidades na koinonía. Fazia-se necessário que alguém viesse relembrar à Igreja a sua finalidade. Surgiu então a vida religiosa.

Pessoas isoladas começaram a se dar conta da diferença entre a vida da Igreja que conheciam e a das comunidades primitivas. Procuravam, então, espontaneamente, imitar o ideal descrito nos Atos dos Apóstolos:

"E todos que tinham fé viviam unidos, tendo todos os bens em comum. Vendiam as propriedades e dos bens e dividiam com todos, segundo a necessidade de cada um. Todos os dias se reuniam unânimes no Templo. Partiam o pão nas casas e comiam com alegria e simplicidade de coração, louvando a Deus entre a simpatia de todo o povo. Cada dia o Senhor lhes ajuntava outros a caminho da salvação" (At 2,44-47).

Portanto, as primeiras formas de vida religiosa pautaram-se pelas primeiras comunidades, como notou João Cassiano, no século IV. Escreveu que os primeiros religiosos se separavam do povo "para praticarem aquilo que os Apóstolos haviam ordenado a toda a Igreja" (Conf. 18, cap.5). Em outras palavras: estes grupos se segregavam da comunidade maior para viverem o carisma profético.

"São esses dois aspectos, aparentemente contraditórios, que caracterizam o profeta: é membro da comunidade, sentindo-se , ao mesmo tempo, distanciado dela. A imagem clássica do profeta, que se afasta para viver no deserto, exprime isto. De um certo modo, está livre das estruturas, obrigatórias em qualquer comunidade normal... Os profetas são chamados para fora da comunidade para falar à comunidade" (R. Haughton).

Entre todas as tarefas da vida religiosa, a primeira é a obrigação de reconvocar a Igreja à fidelidade ao Evangelho. Sem esse aspecto privilegiado, a Vida Religiosa degenera ao nível de mero trabalho social ou uma ocupação assalariada barata, perdendo assim sua razão de ser original e essencial.

Por causa do seu papel profético na Igreja, as Ordens religiosas se mantêm numa relação de certo modo tensa face à instituição. Isto acontece cada vez que as estruturas desta última se enrijecem ou quando se concentram exclusivamente no esforço de manter sua posição privilegiada de liderança. Portanto, o perigo de que a instituição possa procurar assimilar a vida religiosa é sempre atual e presente.

O profeta é uma pessoa incômoda. É hostilizado porque questiona as estruturas vigentes de poder que dificultam a evolução da vida e deixar de servir à humanidade. Isto pode acontecer tanto no âmbito político como no âmbito eclesial. Desde sempre os profetas incomodaram os outros a ponto de serem desprezados, perseguidos e até mortos.

Foi esta a sorte de muitos profetas do Antigo Testamento; e essa foi também, de modo especial, a experiência de Jesus: "Os seus não o receberam" (Jo 1,11). À medida que assumirmos verdadeiramente a nossa tarefa profética dentro da Igreja e da sociedade, será a nossa vez de fazer essa experiência. Mas também o contrário acontece: se, por acaso, gozarmos de benevolência e simpatia dos poderosos e influentes na Igreja e na sociedade, teremos de perguntar-nos a nós mesmos se estamos a ponto de descuidar e de trair a nossa missão profética.

7. FRANCISCO DE ASSIS E O SEU MOVIMENTO

Os historiadores frisam que Francisco constituiu, com seu movimento, a força renovadora mais importante da Igreja medieval. Porém, como será possível interpretar esta força? E que importância continua tendo para todos os que ainda hoje têm seu ponto de referência em Francisco?

7.1. O ELEMENTO PROFÉTICO EM FRANCISCO DE ASSIS

Aquilo que Francisco fez é algo que tem a ver com a Igreja inteira. Isto se tornar clara a partir do acontecimento que seu na igrejinha de São Damião, quando lhe foi ordenado pelo Crucifixo: "Francisco, vai e repara minha casa que, como vês, esta toda destruída" (2Cel 10). Inicialmente, Francisco tomou esta ordem ao pé da letra, restaurando três pequenas igrejas. Somente mais tarde, entendeu tratar-se realmente da renovação da Igreja sobre o fundamento que Jesus havia estabelecido. Francisco, portanto, estava bem consciente de que sua primeira tarefa consistia em relembrar o Evangelho à Igreja e a viver as exigências nele contidas. Sua comunidade de frades formava uma ecclesiola, uma mini-igreja, formada segundo os critérios do Novo Testamento. O que Francisco visava era um retorno incondicional ao Evangelho. Apesar de não denunciar publicamente os erros e até a irrelevância da Igreja do seu tempo - pois nem o clero nem a hierarquia jamais ouviu acusações condenatórias de sua boca -, mesmo assim Francisco e os seus irmãos foram testemunhas vivias e sensibilizadoras da própria essência da Igreja.

Assim, a reminiscência da tradição profética estava bastante clara. Mais evidente torna-se quando lembramos que Francisco imitava o comportamento dos profetas do Antigo Testamento, perambulando pelo país como profeta nômade, assim como também Jesus o havia feito com os seus discípulos. A ausência de qualquer tipo de posse, a instabilidade de vida, a pregação da penitência como chamado à conversão, a solidariedade com os pobres e deserdados, são todos sinais distintivos não somente dos profetas bíblicos, mas também de Francisco e do seu movimento na sua fase inicial.

De fato, não era a Igreja primitiva, descrita nos Atos dos Apóstolos, que estava à base do modelo primordial de Francisco. Antes, refere-se muito mais ao estilo de vida assumido por Jesus e seus discípulos, descrito por Mateus (cap. 10) e Lucas (cap. 9 e 10), no "sermão do envio". Assim, Francisco demonstra que ele está unicamente preocupado em obedecer aos objetivos de Jesus.

7.2 O ELEMENTO PROFÉTICO EM CLARA DE ASSIS

No mosteiro de São Damião, Clara e suas companheiras realizaram, a seu modo, a vida conforme o Evangelho. Numa sociedade que avaliava as pessoas de acordo com suas posses ou sua ascendência na escala social, a comunidade de São Damião não reconhecia esse tipo de diferenças. Com razão, poderia ser chamada de o germe inicial de uma igreja fraterna.

Livre de qualquer coação social ou tradicional, exercida por estilo de vida que - naquela época - marcaram a sociedade ou a vida conventual, a comunidade fraterna de São Damião concedeu a cada um de seus membros a mesma dignidade. Simultaneamente, exigia de cada irmã o delicado respeito mútuo para com todas as suas companheiras. Assim, este grupo de mulheres possibilitou o surgimento de um novo modo de relacionamento interpessoal. O sinal característico e distintivo dessa nova relação foi o simples tratamento por "irmã"; Era uma palavra nova no vocabulário conventual do século XIII. Tanto para Clara como para Francisco, o elemento fraterno era fundamental. Assim as Irmãs de São Damião se incorporaram num grupo de mulheres que procurava um novo lugar na realidade social e eclesial.

Um novo sinal distintivo da comunidade fundada por Clara é sua relação com qualquer propriedade. Pediu ao Papa o privilégio da pobreza absoluta. Era costume que os mosteiros solicitassem dos pontífices privilégios que, via de regra, visavam o direito de manter ou aumentar suas posses ou seus poderes. Clara, pelo contrário, pediu ao Papa que sua comunidade tivesse o direito de viver sem qualquer tipo de posse, apresentando, com isto, um sinal profético. Depois, porém, teve que lutar contra vários Papas quase até i fim de sua vida até alcançar o direito de viver esse privilégio.

7.3 HOJE O MOVIMENTO FRANCISCANO CONTINUA PROFÉTICO

Depois do Concílio Vaticano II, ou seja, durante o Capítulo Geral de Madri (1973), os franciscanos produziram um documento onde confirmam: "Acolhendo na fé o Evangelho de Cristo, Francisco teve consciência de estar sendo enviado com seus irmão ao mundo para testemunhar, opor seu gênero de vida e proclamar pela palavra a conversão ao Evangelho, a chegado do reino de Deus e a manifestação de seu amor entre os seres humanos. A consciência desta missão lhe dava o dinamismo espiritual, a mobilidade, a audácia e a coragem a todas as partidas..." (Madri 1973, § 3).

No mesmo documento, vem sublinhada a dimensão profética da vida franciscana:

"Certamente, nossa forma de vida, na medida em que for vivida, é uma forma de contestação à mediocridade e às insuficiências das estruturas" (§ 9).

"A missão essencial da nossa fraternidade, sua vocação na Igreja e no mundo, consiste na realização vital do nosso projeto de vida... Nossa contribuição à construção da Igreja e da humanidade se resume, em primeiro lugar, nisso: é por nossa vida antes de tudo que daremos testemunho" (§ 31).

terça-feira, 5 de maio de 2009

Fontes Franciscanas e Clarianas

O QUE SÃO FONTES?

Todos sabemos que a melhor água é a que se pode beber na fonte, sem ter passado por reservatórios, encanamentos, tratamentos.

Para qualquer estudo de valor histórico, também é fundamental ir buscar as informações nas suas fontes. Falando em Fontes Franciscanas, queremos saber qual a melhor forma de ter informações genuinas sobre São Francisco de Assis e o movimento franciscano.

Foi só no fim do século XIX que se começou a trabalhar o material franciscano a partir de fontes garantidas. Antes disso, era comum usar uma metodologia popular, que só visava a divulgação.

I - Fontes

Fontes históricas são documentos de qualquer tipo em que possamos descobrir de maneira direta os fatos passados pelos quais estamos interessados.

Às vezes também são importantes documentos indiretos, que são antigos e se basearam nas fontes. Nesse caso, não falamos em fontes mas em subsídios. Mas os subsídios adquirem valor de fontes se os documentos mais antigos em que foram baseados tiverem sido perdidos.

II - Tipos de Fontes

Há dois tipos principais de Fontes: os vestígios e os testemunhos. Os vestígios foram deixados inconscientemente; os testemunhos foram deixados por pessoas que quiseram passar alguma coisa para a história.

  1. Vestígios são, por exemplo, objetos (como ossos, utensílios, armas...) ou tradições (como instituições, usos, costumes...) ou mesmo escritos (como acordos políticos, anotações pessoais ou comerciais...).
  2. Testemunhos podem ser mudos, orais ou escritos. Em geral são mais claros e reveladores mas podem não ser tão originais, porque nós sempre julgamos e selecionamos o que comunicamos.

Testemunhos mudos são, por exemplo, os monumentos, os ritos que se instituiram para preservar a história. Testemunhos orais são, por exemplo, mitos, provérbios, cânticos...

Os testemunhos escritos costumam ser os mais importantes e são constituídos geralmente por narrativas, documentários ou expressões de atividades artísticas.

III - As fontes franciscanas

Neste caderno, vamos falar só de documentos escritos, dividindo-os em três grandes seções: os Escritos de São Francisco, as Biografias e as Crônicas:

A. Escritos de São Francisco: Vamos dar a lista completa e a apresentação a partir da página 5.

B. Biografias: Vamos dar a lista completa e apresentação das mais importantes a partir da página 17.

C. Crônicas: Damos a lista e a apresentação das mais importantes a partir da página 59.

Primeira Parte

OS ESCRITOS DE SÃO FRANCISCO

Apresentação geral

Introdução

Os Escritos de São Francisco não devem ser entendidos como um programa apresentado por ele, como definições do que ele pensava e queria que os outros pensassem. Não temos que entendê-lo abstratamente, porque ele não é um intelectual. O que escreveu é o transbordamento do que ele sentia diante de Deus e das pessoas. A Deus ele celebra, aos homens, ele exorta.

Nesses escritos, nós auscultamos, apalpamos, entramos em contato com a sua experiência viva, com a sua personalidade, com as suas intenções. É assim que encontramos nele uma proposta de vida.

Mas é claro que não poderemos ficar só com os Escritos. Todas as Fontes, mesmo exigindo uma leitura atenta e crítica, são necessárias para entendêlo no seu tempo, na sua terra; um tempo e uma terra que ele viveu como intensamente seus. E todos os outros estudos que nos ajudem a conhecer o homem medieval também são fundamentais.

Nesta seção, queremos oferecer uma visão breve mas de conjunto sobre todos os Escritos. Cada um deles tem que ser lido, meditado, rezado, assimilado. Mas cada um deles tornase muito reduzido se não for bebido e vivido no conjunto de todos os outros.

Quais são?

Os Escritos de São Francisco que possuímos hoje são pouco mais de trinta. Podemos dizer que são trinta e oito. Há diversas maneiras de agrupá-los e de contá-los. Propomos a seguinte:

A. Exortações (são 3):

1. Admoestações

2. Testamento

3. Cântico "Ouvi, pobrezinhas!"

B. Textos de proposta de vida fraterna ou legislativos (são 6):

4. Regra não bulada

5. Regra bulada

6. Regra para os Eremitérios

7. Forma de Vida para Santa Clara

8. Última Vontade para Santa Clara

9. Fragmentos de outra Regra não bulada

C. Cartas (são 11):

10. Primeira Carta aos Fiéis

11. Segunda Carta aos Fiéis

12. Primeira Carta aos Custódios

13. Segunda Carta aos Custódios

14. Primeira Carta aos Clérigos

15. Segunda Carta aos Clérigos

16. Carta a toda a Ordem

17. Carta a um Ministro

18. Carta aos governadores dos povos

19. Carta a Frei Leão

20. Carta a Santo Antônio

D. Orações (são 10):

21. Oração diante do crucifixo

22. Exortação ao Louvor de Deus

23. Louvores para todas as Horas

24. Ofício da Paixão

25. Exposição sobre o Pai Nosso

26. Bênção a Frei Leão

27. Louvores a Deus Altíssimo

28. Saudação à B. Virgem Maria

29. Saudação às Virtudes

30. Cântico de Frei Sol

E. Fragmentos em outros livros

31. Bênção a Frei Bernardo

32. Bênção a Santa Clara

33. Testamento de Sena

34. Ditado da V. e Perfeita Alegria

35. Carta a Frei Jacoba

36. Carta aos Bolonhenses

37. Carta aos Frades Franceses

38. Carta a Santa Clara sobre o jejum

 

Mais adiante, vamos fazer uma apresentação de cada um desses escritos. Ficará explicado, então, porque há outras maneiras de agrupar e contar os Escritos de São Francisco.

Não autênticos ou inseguros

A última edição dos Escritos, feita por Caetano Esser em 1976, apresenta como duvidosos ou seguramente não autênticos 24 textos antes já atribuídos a São Francisco. Pertencem a este grupo: as cartas a Frei Agnelo de Pisa, a Frei Bernardo, a Frei Elias, à condessa Joana, ao eremitério de Porto Vegla; as orações "Absorbeat" (que as Fonti Francescane italianas consideram autêntica), "Sancta dei Genitrix Maria", a "Oração simples pela paz" (que surgiu na França em 1914) e outras orações, mas principalmente a "Regra dos irmãos e irmãs da penitência", que anteriormente tinha sido incluícluída pelo próprio Esser no seu livrinho dos Opúsculos.

História dos Escritos

Como é que os Escritos de São Francisco chegaram até nós? Alguns têm uma documentação muito antiga, outros constam de coleções medievais. E outros foram descobertos há bem pouco tempo.

Vamos apresentá-los em três grupos: 1) os testemunhos mais antigos; 2) as coleções medievais; 3) Outras descobertas.

1. Os testemunhos mais antigos

a) Autógrafos

Três dos Escritos de São Francisco chegaram até nós como saíram de suas mãos. Dois, a Bênção a Frei Leão e osLouvores a Deus Altíssimo, estão nos dois lados de um mesmo pergaminho, conservado e exposto na Basílica de São Francisco em Assis. Um terceiro, a Carta a Frei Leão, está exposto na catedral de Espoleto. São pergaminhos pequenos, que Frei Leão guardou consigo até o fim da vida.

b) O códice B. 24 da Biblioteca Vallicelliana em Roma

Pertencia à Abadia beneditina do Subiaco e contém um missal em que se transcreveu (entre os anos de 1219 e 1238) a Primeira Carta aos Clérigos. É o códice mais antigo com um escrito de São Francisco. Contém o sinal "tau com a cabeça", como a bênção a Frei Leão.

c) Um sermão de 1231

Pregando aos universitários de Paris, no dia 13 de julho de 1231, um dominicano citou a Admoestação 6, atribuindo-a explicitamente a São Francisco.

2. As coleções medievais

Há quatro coleções antigas, já estudadas por Paul Sabatier (1858-1928) e Sofrônio Clasen OFM (+1975):

a) O códice 338 de Assis

Pertencia ao Sacro Convento de Assis e foi seqüestrado em 1810, passando a pertencer ao governo italiano, que, desde 1981, permitiu que voltasse a ser guardado no convento.

Foi escrito por frades do Sacro Convento antes de 1279, no tempo do Ministro geral Alberto de Pisa ou no de Haimo de Faversham.

b) A Compilação de Avinhão

Também é conhecida como coleção Fac secundum exemplar, pelo seu prólogoÉ o trabalho de um frade que, por volta do ano 1340, reuniu informações sobre São Francisco que não constavam na Legenda Maior.

c) O grupo da Porciúncula

São oito manuscritos feitos por copistas profissionais, provenientes de conventos da estrita observância na Itália central. São do sec. XIV, um deles certamente de antes de 1370.

d) O grupo do norte ou da província de Colónia

São 11 manuscritos, também feitos por copistas profissionais, mas de fora de Ordem: cônegos regulares ou crucíferos da Renânia ou dos países baixos. São do fim do sec. XIV ou do começo do XV.

Ao todo, esses quatro grupos somam uns trinta códices, que constituem a base de quase todos os outros manuscritos conhecidos.

Todas essas coleções apresentam as Admoestações, a Segunda Carta aos Fiéis, a

Carta a toda a Ordem e a Saudação às Virtudes. As três primeiras dão também a Regra Bulada e o Testamento.

Assis, Avinhão e Norte dão também a Regra para os Eremitérios e os Louvores para dizer em todas as Horas. Avinhão e Porciúncula trazem a Bênção a Frei Leão e a Saudação a B.V.Maria. Assis e Avinhão dão o Ofício da Paixão e o Canto de Frei Sol. Só Avinhão traz a Oração diante do Crucifixo e a Carta a Santo Antônio. Só Porciúnculatem a Carta a um Ministro e a Regra não Bulada. Avinhão dá um pedacinho do cap. 16 da Regra não Bulada.

3) Outras descobertas

Há também algumas coleções conservadas em códices do sec. XIV e XV. A mais importante está guardada no Antonianum de Roma. Em Oxford guardam o códice 525, escrito entre 1384 e 1385. Na biblioteca Guarnaci, de Volterra está o códice 225. Na biblioteca Vallicelliana de Roma está o códice B131. Numerosos manuscritos dão só um ou dois Escritos, em geral a Regra Bulada e o Testamento. Todos esses pergaminhos foram descobertos nos últimos anos do sec. XIX ou no século XX.

Ouvi Pobrezinhas só foi encontrado em 1976.

Edições impressas

Nos tempos modernos, as edições dos Escritos de São Francisco estão ligadas ao nome de alguns estudiosos que as publicaram. Vamos apresentar: 1) Lucas Wadding, 2) Paulo Sabatier, 3) Lemmens e Boehmer; 4) Caetano Esser

1. Lucas Wadding

Desde a invenção da imprensa, publicaramse Escritos de São Francisco.

Mas não eram coleções sistemáticas nem estudos críticos.

A primeira edição organizada foi feita em 1623 por Lucas Wadding, o frade irlandês que publicou os Annales Minorum. Foi ele quem usou pela primeira vez a palavra Opúsculos, depois amplamente adotada. Opúsculos quer dizer "obrinhas", por isso nós preferimos falar sempre em Escritos de São Francisco.

O livro de Wadding tinha 710 páginas de tamanho gigante. Ele recolheu junto com os escritos propriamente ditos também discursos, alocuções, exortações, orações. Era uma edição preciosa mas confusa. Em quase três séculos, teve muitas traduções e muitos resumos, até que os editores modernos se dedicaram a estudar o que era mesmo autêntico e o que era apócrifo.

Em 1748, Frei Manuel de São Boaventura publicou em Portugal uma coleção chamada Polyanthea seu Florilegium Seraphicum, em que incluiu o texto de Wadding.

A primeira tradução de Escritos de São Francisco deve ser uma francesa de 1632. As italianas começaram a aparecer no fim do sec. XVIII. No sec. XIX, multiplicaram-se em quase todas as línguas ocidentais.

2. Paulo Sabatier

No final do século XIX, quando o mundo ocidental estava mergulhado no positivismo e no laicismo, Paulo Sabatier, um pastor protestante francês, discípulo de Renan, fez surgir uma nova primavera ao publicar uma Vida de São Francisco, em 1893. Ele se entregara a estudos científicos dos pergaminhos que falavam de São Francisco e revolucionou as buscas franciscanas, já então bastante insatisfeitas com o trabalho de Wadding, por incluir em pé de igualdade obras legítimas e tantos outros escritos inseguros ou certamente espúrios.

As sucessivas publicações de Sabatier, sempre amplamente acolhidas ou discutidas, animaram outros estudiosos a sair em campo para rever os Escritos de São Francisco e suas Fontes históricas. A Questão Franciscana movimentou muita gente em toda a Europa.

Foi assim que nasceram as primeiras edições críticas dos Escritos, amplamente esperadas. Mas isso só foi acontecer no começo do século XX.

3. Lemmens e Boehmer (1904)

Em menos de quatro meses, em 1904, foram publicadas duas edições críticas: a de Lemmens e a de Boehmer.

O franciscano Leonardo Lemmens publicou o seu Opuscula sancti patris Francisci Assisiensis sec. codices mss, emendata et denuo edita a PP. Collegii S. Bonaventurae ad Claras Aquas, em Quaracchi, perto de Florença. Trabalhou em cima do códice 338 de Assis comparando-o com outros manuscritos, em número bastante reduzido, todos pertencentes ao grupo da Porciúncula. Como se limitou aos escritos em latim, nem incluiu o Cântico de Frei Sol, cujo original era em italiano e estava no códice 338.

Heinrich Boehmer era um leigo, tido como um dos mais qualificados estudiosos da Universidade de Tubingen. A obra saiu dentro das Analekten zur Geschichte des Franciscus von Assisi. Tinha 146 páginas, sem contar as 72 de introdução. Apresenta a história dos Escritos, a edição de Wadding e distingue os diversos escritos do Santo. Usou principalmente os manuscritos da coleção de Avinhão, 60 códices. Para ele, a Regra da Ordem Terceira já não era documento autêntico.

Depois dessas duas edições críticas, o número de escritos de São Francisco ficou bastante reduzido, mas seguro. É interessante que as duas obras foram feitas independentemente mas coincidiram em quase tudo. E é preciso reconhecer que a colaboração de Sabatier, com suas pesquisas e publicações, foi muito grande.

4. Caetano Esser OFM.

A edição crítica (1976-1989)

Nos primeiros decênios deste século, os pesquisadores encontravam praticamente um manuscrito franciscano por mês: ou das fontes históricas ou dos Escritos. Estavam empenhados em resolver a Questão Franciscana. O resultado foi um conhecimento cada vez melhor dos Escritos.

Quem mais se destacou no estudo dos Escritos e das origens franciscanas foi Caetano Esser OFM (1913 - 1978), da Província de Colônia. Fez uma tese de doutorado sobre o Testamento. Para isso, comparou um por um todos os pergaminhos que traziam o Testamento. Descobriu assim a dependência entre os diversos códices e estabeleceu as bases para uma edição crítica. Continuou a estudar todos os Escritos de São Francisco.

Em 1968, o Conselho Plenário da OFM encarregou uma comissão de preparar uma edição crítica. Ela publicou seus trabalhos em 1972: reuniu 196 códices que continham os Escritos, sem contar mais 56 que só tinham a Regra não Bulada e o Testamento. E Esser continuou seus estudos.

Em 1976, como em 1904, saíram duas edições críticas, mas, desta vez, as duas feitas por franciscanos. Uma foi a de Esser, outra de Frei João Boccali, OFM, que publicou uma concordância dos Escritos de São Francisco e de Santa Clara.

A obra de Esser foi editada em alemão, com uma tiragem bem reduzida. Em 1978, saiu uma edição menor, em latim, reduzindo o aparato crítico ao mínimo, para ser usada pelos alunos. Serviu de base para numerosas traduções nas línguas modernas.

Para ter uma idéia de como se faz uma edição crítica

O fundamental é estudar todos os pergaminhos antigos para chegar a estabelecer um texto seguro, isto é, o mais próximo possível do que foi escrito no tempo de São Francisco.

A gente poderia dizer que "quanto mais velho o pergaminho, mais próximo do texto verdadeiro". Mas esse princípio, embora válido, o que faz com que o códice 338 de Assis seja muito respeitado, não é sempre garantido. Um documento mais recente pode ter copiado mais fielmente um texto antigo que uma cópia intermediária. Por isso, só para se ter idéia, vejamos algumas regras que foram estabelecidas:

  1. Quando um texto, comparado com outro, mostra que foram feitas correções para que o latim ficasse mais certo ou se livrasse de expressões italianas, a gente confia mais no texto sem correções.
  2. Quando um texto foi corrigido ficando mais parecido com uma fórmula quase decorada, por exemplo, pela leitura constante da Regra e do Testamento, é preferível a forma diferente.
  3. A Ordem mudou bastante. Às vezes, os copistas não entendiam mais algumas coisas sobre uma vida fraterna ou costumes antigos e corrigiam de acordo com os costumes de seu tempo. Um bom conhecimento da história pode ajudar a restabelecer o texto corrigido, encontrado em algumas cópias.
  4. Às vezes as correções foram feitas porque a linguagem teológica de Francisco e seus companheiros é anterior à Escolástica. Então é mais antigo o texto menos correto, ou com linguagem certamente mais antiga.
  5. São Francisco usava uma prosa despojada, normalmente sem belezas de estilo. Entre um pergaminho que tem um texto mais bonito e outro com linguagem mais rude, é preciso ficar com o menos bonito.

A edição de Esser

Esser apresentou os Escritos de São Francisco em ordem alfabética. Mas é claro que a ordem alfabética dos títulos em latim torna-se completamente diferente nas outras línguas. Como também não dá para usar a ordem cronológica, porque não se sabe exatamente a data em que foi redigido cada escrito, há diversas tentativas de distribuir os Escritos por grupos, como nós fizemos (exortações, legislativos, cartas...) mas mesmo isso não é fácil.

Na edição de Esser há uma seção de "Opúsculos ditados". Trata-se de escritos cuja redação não é conhecida através de manuscritos que os apresentem como tais. Estão só nas fontes biográficas, como notícia: o autor diz que São Francisco ditou algum tema e coloca o assunto, sem pretender dizer que o texto era exatamente aquele: garante-se que o assunto é autêntico, não o texto com todas as suas palavras. O problema é que, nessa base, poderiam ser colecionados muitos outros ditos e palavras de São Francisco. Preferimos chamálos de "Fragmentos encontrados em outros livros".

Mas é preciso saber que a maior parte dos Escritos foi mesmo ditada. São Francisco sabia mal o latim e chamava frades que soubessem escrever. Mas depois ele revia, corrigia e, por isso, textos como o Testamento ou o Cântico de Frei Sol, certamente ditados, podem ser aceitos como escritos por ele. De maneira ampla, o importante é saber que os Escritos que apresentamos são mesmo de São Francisco, ainda que vários possam ter uma colaboração de alguns de seus companheiros. Em geral, cada palavra foi aceita por ele, que era cuidadoso nessas questões.

Em 1989, Frei Engelbert Grau OFM fez uma segunda edição da obra de Esser (que tinha morrido em 1978). As novidades são um índice bibliográfico, a apresentação do Ouvi pobrezinhas (que só foi encontrado em 1976) e uma nova maneira de apresentar a Primeira Carta aos Fiéis.

Uma nova edição

Em 1995 as "Edizioni Porziuncola", de Assis, apresentaram uma preciosa contribuiçãopara os estudiosos. SãoFONTES FRANCISCANI, isto é as Fontes Franciscanas em latim. Um só volume, com 2.581 páginas em papel bíblia traz todas as Fontes mais importantes, com preciosas introduções atualizadas. Estão incluídos até os Actus Beati Francisci et sociorum eius e também os Escritos, a Legenda e o Processo de Santa Clara. Está prometido um novo volume com as Crônicas e os outros Documentos que ficaram faltando.

Os que podem ler os textos na língua original e na versão crítica não precisam mais estar juntando livros, às vezes raros, nas bibliotecas. Neste caderno, essa nova edição foi imensamente útil

1. Admoestações - Trata-se de uma coleção de 28 textos curtos (só a primeira é um pouco maior) que tem ampla presença nos manuscritos medievais. Uma das Adm foi o primeiro texto de Francisco citado fora da Ordem (1231) por um frade dominicano. Lembra-se que Francisco costumava fazer alocuções a todos os frades nos capítulos gerais. Algumas destas admoestações podem provir desses capítulos, mas não todas. Do nº 1 ao 13 os temas são variados; do 14 ao 28 formam o que se chama de "bemaventuranças franciscanas". Provavelmente são textos que só foram falados por São Francisco e que foram preservados porque alguém tomou nota. É até possível que tenha sido alguém de fora da Ordem (pensa-se em um cisterciense secretário do Card. Hugolino) porque usa expressões como prelado, servo de Deus, etc. que não eram comuns no meio franciscano.

As Admoestações são um bom resumo da proposta espiritual de São Francisco.

2. Testamento - Depois da Regra Bulada, o Testamento é o documento melhor e mais amplamente documentado de São Francisco. Ninguém duvida de sua autenticidade. O próprio título Testamento procede do texto do Santo. Sabe-se que São Francisco o ditou em seus últimos dias, depois de ter discutido vários pontos com os frades. Ele queria que fosse lido sempre depois da Regra, e isso sempre foi feito. Mas, desde o início, houve discussões a respeito do valor obrigatório desse documento. Já Gregório IX declarou, em 1230, que o Testamento não era obrigatório. Mas não há dúvida de que ele expressa de maneira muito candente o pensamento do Santo sobre a sua própria vida e a que Deus lhe havia inspirado para os Frades Menores.

3. "Ouví, Pobrezinhas" - Este documento foi encontrado em 1976, logo depois que saiu o livro de Esser, pelo Frei João Boccali, que seguiu as indicações de duas clarissas estudiosas e o localizou no mosteiro das clarissas de São Fidêncio em Novaglie. Boccali deulhe o nome de "Palavras de Exortação". Dois anos depois, publicou um estudo crítico, ao qual se seguiram outros. Já se tinha conhecimento desse cântico pelo Espelho da Perfeição (90) e mais ainda pela Legenda Perusina (45). São Francisco o compôs para Santa Clara e suas Irmãs "com canto" logo depois de compor o Cântico de Frei Sol.

4. Regra não Bulada - Às vezes também é chamada de Primeira Regra, deixando-se o nome de Segunda Regrapara o que estamos denominando Regra Bulada. Na verdade, não foi a primeira. Alguns chamam de Proto-regra ouRegra Primitiva a que foi aprovada por Inocêncio III em 1210. A Regra não bulada é a versão final que resultou em 1221, depois que os capítulos gerais foram acrescentando modificações à Regra Primitiva, para se adequar à vida de uma fraternidade que não parava de crescer. É o maior dos escritos de São Francisco. Ele é certamente o autor, mas teve ampla colaboração de todos os frades reunidos nos capítulos gerais. Tratase de um documento vivo, ardoroso, cheio de orações e de citações bíblicas. É imprescindível para se conhecer o pensamento de Francisco e de seus primeiros companheiros sobre a Ordem que estava começando.

5. Regra bulada - Damos-lhe esse nome porque foi aprovada pela bula "Solet annuere" de Honório III (1223). Nunca houve dúvidas quanto à autenticidade nem quanto ao texto desta Regra. São numerosíssimos os manuscritos medievais que a trazem, mas nem precisamos deles: temos o pergaminho original da bula, que inclui a Regra, e está guardado em Assis (com muitas fotocópias modernas espalhadas por nossos conventos). Nos arquivos do Vaticano também ficou uma cópia, com pequenas diferenças devidas a falhas dos amanuenses. É a Forma de Vida que vale deste 1223 para todos os Frades Menores e, por isso, é amplamente conhecida por todos os franciscanos, que a sabem de cor.

6. Regra para os Eremitérios - Já consta no códice 338 de Assis e está bem representada em muitos códices. Não tinha título. Esse foi dado de acordo com o conteúdo. Deve ter sido escrita entre os anos de 1217 e 1220. Mais tarde, como a Ordem deixou de ter eremitérios do tipo considerado neste documento (por eremitérios entendiam pequenos conventinhos) os copistas tentaram fazer correções para o que não estavam entendendo. Pode ser considerado um complemento à grande Regra. É um magnífico documento sobre a vida fraterna e a vida de oração.

7. Forma de Vida para Santa Clara - Só temos este documento porque Santa Clara o copiou no capítulo VI de sua Regra. Também fez uma referência a ele no seu Testamento. Foi dado por Francisco logo no começo da fundação das Irmãs Pobres, provavelmente em 1212 ou pouco depois. É muito curto, mas pode ser realmente o miolo da proposta de Francisco: as Irmãs deviam viver o Santo Evangelho integrando-se na vida da Trindade. E Francisco promete cuidar delas como de seus irmãos. É interessante observar a semelhança entre essa forma de vida e a antífona a Nossa Senhora que faz parte do Ofício da Paixão.

8. Última Vontade para Santa ClaraEste é outro escrito de São Francisco que só conhecemos porque Santa Clara o introduziu o capítulo VI de sua Regra. Deve ter sido escrito nos últimos dias de vida do Santo, mais ou menos na época em que enviou sua bênção a Santa Clara. É uma forte exortação à vida em pobreza. Em 2Cel 204, Celano fala desse documento.

9. Fragmentos de outra Regra não bulada - Já em 1904, Boehmer fazia notar que havia diversas citações da Regra de São Francisco que eram certamente anteriores à Regra Bulada mas também não constavam exatamente na Regra não bulada. Ele colocou alguns logo depois de sua apresentação da Regra não bulada. Na realidade, são até mais numerosos. Podemos encontrá-los em três fontes: 1. O códice da catedral de Worchester, a "Explicação da Regra" escrita por Hugo de Digne entre 1245 e 1255 e a "Vida Segunda", de Celano.

10. Carta a um Ministro - É um documento conhecido desde o fim do sec. XIV, porque Bartolomeu de Pisa faz várias citações, sem nunca colocar o texto inteiro. Wadding apresentou mais de uma versão, sem deixar nada claro. Foi uma surpresa quando os estudiosos começaram a encontrar códices que davam a carta completa. Algumas publicações foram feitas antes de 1900, por Eduardo de Alençon e Paulo Sabatier. Não se sabe quem é o ministro que recebeu a carta, mas ela costuma ser datada com bastante segurança antes de 1223 e até mesmo antes de 1221, mas não pode ser muito anterior. É um belíssimo escrito sobre a misericórdia, que nos faz conhecer bem de perto São Francisco.

11. Primeira Carta aos Fiéis - Foi Paulo Sabatier quem publicou pela primeira vez este Escrito, no ano de 1900. Ele o achara no Códice de Volterra. Deulhe o nome de Verba vitae et salutis (Palavras de vida e de salvação) e disse que se tratava de um primeiro esboço do Escrito hoje conhecido como Segunda Carta aos Fiéis (que ainda não tinha sido publicado naquele tempo). Lemmens e Boehmer aceitaram o escrito mas disseram que se tratava de um resumo posterior. Esser conseguiu provar que se tratava realmente de uma primeira versão, mais antiga, da outra e lhe deu esse nome de "Carta aos Fiéis - primeira recensão", corrigindo o título dado por Sabatier. Essa primeira versão, bem de acordo com o que dizem o Anônimo Perusino (41) e a Legenda dos Três Companheiros (60), é escrita no plural, pelos frades, com São Francisco. É um belíssimo e simples documento que fala dos que fazem e dos que não fazem penitência.

Na segunda edição da obra de Esser, Grau aproveitou estudos feitos por Pazzelli e mostrou que, de fato, não se trata de uma Carta mas de um "louvor" a Deus pelos que fazem penitência: os que chamamos de Irmãos e Irmãs da Penitência. E que o título de Sabatier estava correto.

12. Segunda Carta aos Fiéis - Wadding publicou esta carta dividida em duas, baseandose em um manuscrito. Mas hoje temos muitos outros manuscritos, inclusive do sec. XIII, que dão o texto como uma única carta. Sua autenticidade é aceita. Talvez se possa situar a primeira recensão por volta de 1212 e esta por volta de 1222. Bem mais longa, esta nos faz pensar em como a Regra primitivados Frades Menores foi se transformando na Regra não bulada: na medida em que aumentava o número dos Irmãos e Irmãs da Penitência e em que as dificuldades iam aparecendo, a Carta foi crescendo. É fácil perceber como muitos trechos novos foram colocados para esclarecer quanto aos erros dos cátaros, que deviam influenciar muitos irmãos. A divisão em doze capítulos e os subtítulos certamente não são originais.

13. Primeira Carta aos Custódios - Era um escrito completamente desconhecido até 1902, quando foi publicado por Sabatier, que o encontrara no códice de Volterra. W. Goetz quis ver nele uma compilação da Carta aos Clérigos, da II aos Custódios e da Carta aos Governadores dos povos. Mas, ao encontrar a Primeira aos Clérigos no Missal do Subiaco, constatou que a Primeira aos Custódios também era autêntica. Foi reconhecida nas edições de Lemmens e Boehmer (1904). A Segunda Carta aos Custódios faz uma alusão a ela. O assunto é sobre a Eucaristia. Parecem evidentes sua conexão com a "Sane cum olim" de Honório III (1219) e também sua linguagem préescolástica. Custódios, nesse tempo, eram todos os superiores da Ordem dos Frades Menores.

14. Segunda Carta aos Custódios - Foi bastante discutida mas, hoje em dia, sua autenticidade é aceita. Foi publicada pela primeira vez por Wadding em 1623. Ele estava fazendo uma tradução em latim de uma carta que recebera em espanhol, mas que, por sua vez, tinha sido traduzida do latim, porque se conservava outrora em Saragoça um manuscrito que era venerado como autógrafo. Por isso, temos a certeza de que o texto não é o original. Mas o assunto é fácil de aceitar, tanto pelo estilo de São Francisco, como pelo tema e mais ainda porque cita a Carta aos Clérigos, a Carta 1 aos Custódios e a Carta aos governadores dos povos. Também se dirige a todos os superiores da Ordem e também fala da Eucaristia. Podese demonstrar que é uma segunda versão, um tanto modificada, da primeira.

15. Primeira Carta aos Clérigos - Já recordamos que o códice B24 (por Esser chamado RV2) contém a Primeira Carta aos Clérigos copiada em um missal beneditino. É o texto mais antigo que possuímos (entre 1219 e 1238) fora os autógrafos. Esta Carta é um dos escritos de São Francisco estudados mais a fundo. Tem uma base nos relatos de LP18 e EP 56 (São Francisco andava com uma vassoura para limpar as igrejas, falava com os clérigos) e no seu amor à Eucaristia, documentado também no Testamento, na 1 Adm etc. Alguns estudiosos só levam em consideração esta primeira carta, eliminando a segunda, que dizem ter muito poucas diferenças (Isso já muda a maneira de contar os Escritos).

16. Segunda Carta aos Clérigos - Caetano Esser distingue a primeira recensão (a do missal beneditino), da segunda, que está em quase todos os outros manuscritos. Acha que as diferenças são poucas mas importantes. Levanta a hipótese de que a primeira date do período entre o Concílio de Latrão e a viagem de Francisco ao Egito (1215-1219), e que a segunda seja posterior a 1220, quando o Papa Honório III publicou sua carta "Sane cum olim"; Francisco teria gostado e reformado um pouco sua primeira carta incluindo algumas expressões do papa.

17. Carta a toda a Ordem - Na edição de Wadding (1623) esta carta está dividida em três partes e tem três títulos. Por isso, mesmo nas edições de 1904 ela ainda aparece com o nome de Carta ao Capítulo Geral. Ou então se dizia que era "a todos os frades". Mas este é o documento mais documentado de todos os Escritos de São Francisco, depois daRegra bulada e do Testamento. Esser livrou-a de todas as dúvidas e lhe deu o nome de Carta a toda a Ordem, autorizado por alguns manuscritos. É o texto mais bem escrito de São Francisco, com um latim muito bom, o que mostra que os secretários devem ter ajudado bastante. Um precioso documento sobre a Eucaristia.

18. Carta aos governadores dos povos - Não foi encontrado nenhum códice medieval para esta carta. A única fonte é uma cópia que, segundo a tradição, foi levada para Saragoça por Frei João Parenti, quando foi ministro provincial da Espanha no tempo de São Francisco. Mas ela é aceita como autêntica. Tem que ser entendida no conjunto de outras circulares que ele escreveu quando voltou do Egito, entre 1220 e 1224. Ele estava muito doente e quase cego. Sabendo que não podia mais fazer pregações por toda parte, decidiu começar um apostolado novo, por escrito. Impressionado com os muezins muçulmanos que convidavam o povo cinco vezes por dia para a "shalat", Francisco solicita aos governantes que se façam patrocinadores dos louvores de Deus por um anúncio vespertino. Podia até estar pensando em um sinal ecumênico que unisse cristãos e muçulmanos.

19. Carta a Frei Leão - Está conservada na catedral de Espoleto, em um pergaminho autógrafo. Não há manuscritos que a tenham copiado. A primeira cópia conhecida é de 1604, quando levaram o pergaminho para comparar com o doBilhete a Frei Leão, que contém a Bênção e os Louvores a Deus Altíssimo. Wadding copiou- a em 1623. Não há dúvida quanto à autenticidade: é bem o estilo de Francisco, numa linguagem bastante incorreta. Mas fala ao coração, "como uma mãe". Parece que, durante séculos, esse texto foi usado como uma relíquia, para dar bênçãos. Em 1860, quando foi supresso o convento dos conventuais em Espoleto, onde era guardada, passou para a catedral. Um pároco, em 1895 queria vendê-la aos americanos. Falloci Pulignani levou a questão ao Papa Leão XIII, que deu uma pensão anual de 200 liras ao pároco para ficar com a relíquia no Vaticano. Depois, deu-a de novo à catedral de Espoleto.

20. Carta a Santo Antônio - A autenticidade desta carta só começou a ser discutida depois que Sabatier insistiu em que São Francisco se opunha aos estudos. Em geral o texto aparece em pergaminhos independentes ou nas vidas de Santo Antônio, não em coleções. Depois das edições de 1904 foram achados muito pergaminhos. É interessante ler2Cel 163, onde se fala dessa carta, e também a Adm. 7, que fala dos estudos. A Carta cita a RB, por isso tem que ser posterior a 1223. Mas não pode ser posterior a 1224/5, quando Santo Antônio foi para a França. Ele deve ter pedido antes o escrito de São Francisco.

21. Oração diante do crucifixo - Em geral aparece solta nos manuscritos, sendo mais comum nos ligados à coleção de Avinhão. Quase sempre se diz que Francisco rezou essa oração quando o Crucificado pediu que reformasse sua casa. É conhecido o texto italiano como original. Alguns quiseram por em dúvida sua autenticidade, perguntando quando São Francisco a teria composto e escrito. Hoje se pensa, geralmente, que ele já estava fazendo essa oração no tempo anterior a São Damião: e foi a resposta espontânea que lhe veio aos lábios ou ouvir Jesus. É interessante que Frei Marcos de Lisboa já apresenta uma tradução em português em 1556 e até diz que o Crucifixo falou depois que Francisco rezou a oração.

22. Exortação ao Louvor de Deus - Esta oração de São Francisco não estava nem nos "Opúsculos" de Wadding (1623) nem entrou nas edições críticas de Lemmens e Boehmer (1904). Mas foi aceita por Esser (1976). O próprio Wadding colocou-a nos seus Annales Minorum (1625), dizendo que copiara uma informação de Frei Mariano de Florença. Também foi encontrado um manuscrito do sec. XV que dá um testemunho paralelo e muito interessante: A exortação foi escrita pelo próprio São Francisco em uma tábua que servia de piso do altar em um seu eremitério. Ele mandou pintar algumas criaturas na tábua e depois escreveu o texto. Mais tarde tiraram a tábua e a expuseram como um quadro. Frei Mariano viu e copiou. A outra cópia (códice N7) também foi feita assim.

23. Louvores para todas as Horas - Não há dúvidas quanto à autenticidade desses louvores que São Francisco rezava antes das horas canônicas: estão em muitos manuscritos. A oração final é certamente original dele. Os outros louvores, como são feitos com textos litúrgicos muito conhecidos, em geral nem foram copiados por inteiro nos manuscritos. Todo mundo os sabia de cor e os copistas muitas vezes se limitaram a dar as palavras iniciais. Por isso é difícil reconstituir com segurança o texto original.

24. Ofício da Paixão - É uma preciosa coleção de quinze Salmos e uma antífona de Nossa Senhora que São Francisco fez para celebrar todos os dias, paralelamente ao Ofício Divino, o mistério de Jesus Cristo. Treze dos Salmos são elaboração dele, usando principalmente trechos de Salmos bíblicos. Esse "Ofício" não está contido em muitos pergaminhos medievais, mas não há dúvidas quanto a sua autenticidade. Os pergaminhos não davam um título. Wadding inventou esse de "Ofício da Paixão do Senhor", que foi aceito por Lemmens e Boehmer. Na realidade, São Francisco celebra também a Páscoa e todo o mistério de Jesus. Alguns autores achavam que era um texto sem importância, porque feito com retalhos de Salmos conhecidos. Mas é justamente aí que está sua importância: qual a seleção feita pelo Santo. A Legenda de Santa Clara (30) diz que ela "aprendeu o Ofício da Cruz feito por São Francisco e o recitava com igual afeto". É um dos melhores escritos para demonstrar a identificação de Francisco com Jesus Cristo.

25. Exposição sobre o Pai-nosso - Houve muitas discussões a respeito deste Escrito. Dizia-se que, naquele tempo, eram muito comuns essas paráfrases sobre o Pai-nosso, aliás conhecidas desde Orígenes e outros santos Padres. Na realidade, ainda não foi descoberto nenhum texto de outros autores realmente parecido com este de Francisco. Não é uma exposição sobre o Pai-nosso, é uma oração ampliada, em que ele vai acrescentando tudo que tem no coração. Também não faz parte dos Louvores para todas as horas, como alguns afirmavam e Esser esclareceu definitivamente.

26. Bênção a Frei Leão - Este texto e o seguinte estão nos dois lados de um pergaminho de uns 10 X 14 cms. com a letra original do Santo. O pergaminho está guardado em um relicário, na basílica de Assis, pelo menos desde 1338. Depois do Cântico de Frei Sol, foram os escritos que mais mereceram estudos dos especialistas. É interessante ler2Cel 49 (e o paralelo LM 9,9) para conhecer sua história. A bênção, muito conhecida, é uma adaptação de Nm 6,24-26.

27. Louvores a Deus Altíssimo - O texto autógrafo (no bilhete a Frei Leão) está um pouco estragado pelo uso, mas o que nele não pode ser lido completa-se pela ampla tradição dos manuscritos medievais. É uma das expressões mais bonitas e arrebatadas das orações de louvor de São Francisco e de seu amor ao Deus Trindade.

28. Saudação à Bem-aventurada Virgem Maria - As Fontes, desde 2Cel 198 e EP 55 falam da grande devoção de São Francisco por Nossa Senhora. Esta "saudação", que talvez fosse melhor chamar de "lauda" não consta nos pergaminhos do sec. XIII, embora seja abundantemente testificada a partir do sec. XIV. Mas nunca ninguém colocou em dúvida sua autenticidade. A idéia que Nossa Senhora é uma "Virgem feita igreja" baseia-se na teologia patrística, que alimentava a liturgia conhecida e vivida por São Francisco. Muitos manuscritos escreveram "virgem perpétua", mas o pensamento da lauda está construído em cima do "Virgem feita igreja".

29. Saudação às Virtudes - A primeira referência a este escrito está em 2Cel 189, onde recebe o nome de "Louvores sobre as virtudes". Mas a sua presença é abundante nos códices medievais e não há nenhuma dúvida da autenticidade. É típico de Francisco chamar as virtudes de irmãs ou senhoras e mais típico ainda o seu uso das palavras corpo, carne, espírito e mundo. Vários manuscritos ligam este escrito à Saudação à Virgem Maria, falando em "virtudes com as quais foi ornada a Santa Virgem e deve ser ornada a alma".

30. Cântico de Frei Sol - Este cântico, amplamente conhecido hoje em dia, é certamente uma das obras mais estudadas de São Francisco, e não há nenhuma dúvida sobre sua autenticidade. Já há referências preciosas em 1Cel80, em 2Cel 165, em Legenda Maior 8,6. No Espelho da Perfeição é interessante ler desde o n. 115 até o n.120, que dá o texto. Mas o melhor texto é o do Cod. 338 de Assis. Já no sec. XIV muitos pergaminhos davam o texto completo, independente de outros escritos.

31. Bênção a Frei Bernardo - Uma bênção dada por São Francisco, no leito de morte, ao seu primeiro frade, Bernardo de Quintavale. O episódio é muito conhecido, especialmente por Legenda Perusina 107-8 e EP 107, mas também é bom ver 2Cel 48.

32. Bênção a Santa Clara - O episódio é conhecido em quase todas as fontes que falam da bênção a Frei Bernardo. Vem logo em seguida. O texto melhor está em EP 108. Não se deve confundir esta bênção com as "palavras de exortação" ou "Ouvi, pobrezinhas", nem com a "Última vontade".

33. Testamento de Sena - Encontramos o episódio e o assunto do Testamento em EP 87 e em LP 17. Várias outras fontes do sec. XIV falam disso. Os estudiosos o aceitam como autêntico porque ninguém apresentaria um outro Testamento de São Francisco se a base histórica não fosse segura, uma vez que o grande Testamento já era tão discutido. O texto mais seguro é Legenda Perusina 17.

34. Ditado da Perfeita Alegria - conhecido no cap. 8 dos Fioretti, baseado no cap. 7 dos Actus. Os dois são certamente enfeitados. Wadding publicou um texto mais antigo. Depois, foi encontrada no pergaminho conhecido comocod FN, uma versão mais rude, que é aceita como mais antiga. Sabatier defendeu-a. É interessante ler 2Cel 125 e aAdm 5 para confrontar.

35. Carta a Frei Jacoba - Está em 3Cel 37. Sua autenticidade sempre foi aceita e temos o relato em Legenda Perusina 101 e Espelho da Perfeição 112. Os Actus chegam a dar todo o texto, mas é evidententemente uma elaboração posterior. Ficamos com Celano.

36. Carta aos Bolonhenses - Só está na Crônica de Tomás de Ecleston, que cita um relato de Frei Martinho de Barton: São Francisco escreveu uma carta, em mau latim, aos bolonhenses predizendo um terremoto. O assunto é tido como autêntico.

37. Carta aos Frades Franceses - Também só é testemunhada na Crônica de Tomás de Ecleston. Francisco escreve aos ministros e aos frades da França, exortando-os a louvar a Santíssima Trindade.

38. Carta a Santa Clara sobre o jejum - A gente sabe que essa carta existiu porque Santa Clara fala nela em sua3CtIn. Refere-se a um escrito e a conselhos e mandamentos do Santo. Parece que estava tudo em um único pergaminho. Não temos o texto.