Franciscanismo

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domingo, 6 de novembro de 2016

A CARIDADE ATENTA

Introdução

“Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos, e não tivesse a caridade, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transformasse os montes, e não tivesse a caridade, nada seria”.
(I coríntios, cap 13, versículos 1 e 2)

Grande é o número de pessoas que buscam no cristianismo católico a devida reflexão e consolo. Sabemos que nossa igreja é parte de um projeto Divino, do corpo de Cristo que visa despertar nos corações a doce mensagem do Evangelho, porém, sabemos também que em nossas mãos estão depositadas as sementes necessárias para que tal projeto alcance o seu objetivo que é irradiar pela graça de Deus, o amor que irá contagiar o mundo.
Quando falamos em crescimento, surge em nosso peito (e isso é muito bom), reflexões sobre a manutenção do amor e da unidade entre nós No entanto, muitas vezes, nos tornamos desatentos à questão do acolhimento do outro dentro de uma perspectiva fundamentalmente cristã. A rotina de atividades que se desenvolvem a cada dia no cotidiano de nossa paróquias tendem a nos direcionar para práticas litúrgicas e de assistência social que quando transformadas em mera rotina, nos fazem desatentos aos olhos daqueles que adentram as nossas portas.
Com base nisso, procuraremos nas próximas linhas, trazer algumas reflexões sobre uma proposta franciscana de se viver o evangelho, que resolvemos chamar de “Caridade atenta”. Uma proposta que tenha como ênfase maior os olhos do outro, numa perspectiva de acolhimento integral e libertação de todos aqueles que cruzem os nossos caminhos.
Não temos a pretensão de trazer alguma novidade (o evangelho já tem dois mil anos), muito menos de fazer escola. Somos imperfeitos demais para tal intento. Apenas desejamos refletir profundamente sobre o que é de fato viver plenamente a mensagem de Jesus, tendo na caridade atenta, a valorização total do outro como peça fundamental do projeto do Cristo que liberta .
São apenas reflexões que busco neste trabalho, por isso, o mesmo está aberto a críticas e modificações que visem o crescimento do evangelho em nossas vidas.
Amando o Amor
Conta a história franciscana que o pobrezinho, costumava ser visto caminhando pela cidade de Assis, banhado em lágrimas e dizendo: - “O Amor não é amado, o Amor não é amado!” Alegava ele que a mensagem de Jesus não era vivida por aqueles que se diziam cristãos, e isso o entristecia profundamente. No entanto, tal constatação não o conduzia a prostração e ao desânimo. Muito pelo contrário! Francisco, por toda a sua vida viveu, guiado pelo Espírito, pregando e exemplificando o evangelho em sua plenitude, não deixando sequer uma alma humana sem acolhimento e conforto.

“Eu, Frei Francisco, pequenino, quero seguir a vida e a pobreza de nosso altíssimo Senhor Jesus Cristo e de sua santíssima Mãe; quero nelas perseverar até o fim”.
(Conselhos a Santa Clara, 1)

Para Francisco, perseverar até o fim, significava amar intensamente a toda e qualquer criatura viva. Desde sua experiência marcante no episódio de seu encontro com o leproso,  ele aprendeu que o amor existe latente em todas as criaturas, por isso, é a esse amor que a todos habita, que devemos dedicar toda a nossa devoção. As chagas presentes em todos nós, diante dessa perspectiva, demandam  nossa inteira compaixão e luta.
O Amor significa literalmente transformar a Terra. O amor quando realmente amado, transforma as trevas em luz; as diferenças em unidade; a alienação em engajamento; o desespero em consolo e os olhos em acesso irrestrito ao meigo Jesus, cuja mensagem habita em todos os corações.
Amar o Amor significa transcender em muito a relação formal do assistencialismo vazio e da catequese apartada de uma real vivência. Sob tal ótica, antes da assistência está o olhar atento, crítico e amoroso; antes e concomitante a catequese está o coração; e antes da obra de pedra está o calor humano que a transforma realmente em um templo dedicado a Deus.
“O Amor não é amado, o Amor não é amado!” De fato isso é uma realidade que ainda habita o nosso planeta. Amar o Amor significa preponderar sobre o mal. É absorver a ousadia de Francisco em sua ânsia por transformar o mundo em um reino de paz e justiça. Amar o Amor é o mesmo que perceber o outro a partir dos olhos, com ternura e compaixão.

As sementes que caem

“... Eis que o semeador saiu a semear”.
E quando semeava, uma parte das sementes caiu à beira do caminho...”.
(Mateus, cap. 13, v. 3)

Esta parábola é uma das mais conhecidas por nós cristãos. Trata-se de uma abordagem de Jesus referente à relação de cada um de nós no trato com sua mensagem. Isto é, como sua mensagem atinge os nossos corações, significando, com isso, o nível de adesão nossa ao seu projeto de amor e de salvação. Porém, aqui queremos buscar um outro significado para tal parábola: o trecho acima, nos informa que o semeador quando saiu a semear, deixou algumas sementes cair ao longo do caminho, e é aí que construiremos nossa argumentação com relação à proposta que apresentamos neste trabalho.
A proposta da caridade atenta tem por objetivo atuar exatamente nesse ponto: não podemos deixar as sementes cair ao longo do caminho! Jesus, em sua parábola, nos informa que, das sementes que caíram, grande parte se perdeu, seja por falta de solo fértil e profundo, seja por espinhos que sufocaram-nas em seu entusiasmo inicial.
Sabemos o quanto é difícil cair das mãos do semeador e não ser imediatamente recolhido e recolocado em seu devido lugar. A semente longe do semeador, e distante do solo adequado, tende a se perder em meio a espinhos de toda a ordem. E quanto mais o semeador se distancia, mais a semente sofre, sob o risco de perecer. Mesmo sabendo que brotar é um ato da vontade individual de cada um de nós, sob a Graça de Deus, longe do semeador tal intento fica muito difícil e o fardo cresce assustadoramente!
A grandiosa obra construída por Francisco de Assis teve como ênfase maior exatamente o projeto de recolher as sementes que, devido a uma igreja formalista e desatenta caíam aos montes pelo caminho da idade média. Ele viveu por tal propósito, e nele iluminou toda a sua vida.
Atento aos olhos da humanidade, Francisco foi uma imagem emblemática num período que ficou conhecido como “idade das trevas“. Acolhendo pelos olhos, o pobrezinho sinalizou para a desatenção presente no coração dos cristãos, tão atribulados com ritos e formalismos numa igreja que não soube lidar com o seu próprio crescimento e muitas vezes colaborou com estratégias perversas de exclusão.
Militantes de tal seara, não podemos ficar desatentos à grandiosidade de sementes que surgem a cada dia em nossos campos. Ampliar tais campos hoje se faz necessário, e isso muito nos alegra, no entanto, devemos estar sempre atentos a quaisquer sinais de crescimento sem acolhimento. Algumas Paróquias, agigantadas em suas demandas, estatisticamente ampliam cada vez mais o número de pessoas assistidas e amparadas. Porém, pode crescer também o número daqueles que sinalizam para o fato de se sentirem, muitas vezes, como em uma grande instituição, onde sequer são olhados, tocados, acolhidos! Algumas sementes podem estar caindo ao longo do caminho e isso nós não podemos permitir.
Queremos neste trabalho, refletir com todos os irmão e irmãs  sobre estas questões, buscando juntos, alternativas que mantenham sempre nossas paróquias atentas aos olhos daqueles que nelas cheguem, bem como, em todos os espaços onde nós possamos nos encontrar.
Teus olhos me bastam

“Não devemos julgar a prata e o dinheiro mais úteis do que as pedras”
( I Regra, VIII, 4)

Uma das bandeiras mais conhecidas do franciscanismo é sem dúvida a pobreza. Muitas vezes incompreendida, tal bandeira tem por excelência, demonstrar a importância de valorizarmos no homem aquilo que ele tem de mais sagrado: a sua condição de filho de Deus.
Diante do outro, devemos valorizar, a partir dos olhos, a filiação divina que lá habita, tendo nela o real ponto de aproximação e acolhimento. É olhar para outro e dizer: “- Os teus olhos me bastam”, isto é, com ternura, perceber que temos algo em comum com toda a criação: a filiação divina.
Acolher, não significa apenas atender bem aquele que nos solicita algo. É amar verdadeiramente, acolhendo o outro com devoção e carinho. O cartão de visita para demonstrar ao outro que Jesus está presente em todos nós é o sorriso. Sorrir é abrir ao outro as portas de nosso coração; é também um passaporte seguro para penetrar sem medo o coração alheio.
Que em nossas paróquias, os olhos do outro não só nos bastem como também nos alimentem para a jornada que escolhemos trilhar. Que nada mais nos importe tanto, que não seja os olhos do outro, que jamais podem fugir a nossa atenção.

Obedecendo a luz

“A lâmpada do corpo são os olhos; de sorte que, se teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz...”.
(Mateus, Cap. 6, v. 22)

Jesus nos ensina que através dos olhos conseguiremos nos transformar em luz. A mensagem de Francisco, por mais que tenha surgido como uma grande novidade para o seu tempo, como para os dias de hoje, nada mais faz do que enfatizar as palavras do meigo Senhor.
A obra do pobrezinho de Assis tem como um de seus pilares, o conceito de obediência, a obediência que nos transforma em fieis seguidores da luz. Ser obediente para Francisco é seguir a máxima de Cristo que diz: “Deixai brilhar a vossa luz”. E isso significa obedecer incondicionalmente aos apelos desta Luz, a Luz de Cristo. A obediência franciscana significa fazer penetrar e ficar definitivamente em nossos corações a caridade, o amor ao outros e às instâncias hierárquicas que norteiam a igreja, transformando com isso todo o nosso ser.
O obedecer franciscano significa olhar sempre e com ternura; acolher sempre, apesar de tudo; compreender sempre apesar das discordâncias; recolher as sementes que caiam pelo caminho; e acima de tudo, ficar atento para que elas não venham a cair.

O olhar casto

“É assim que, neste mundo que passa, unida para sempre a seu nobre Esposo, ela encontrava continuamente um novo sabor nos mistérios do alto”.
(V. de Clara, 20)

Na passagem acima, podemos compreender o que de fato significa a castidade franciscana. Unida a Cristo, Clara de Assis encontrou um novo sabor para a sua vida. Ela percebeu que pelos olhos de Jesus era possível ver o mundo sob uma nova ótica: a ótica do amor! Aqueles que se deixam inundar pelo evangelho, transformam seus olhos em faróis de luz e de contentamento, percebendo sempre possibilidades reais de transformação perante os percalços da vida.
Ter um olhar casto favorece o acolhimento incondicional de todos aqueles que possam surgir diante de nós. É olhar para além das aparências; para além das possíveis chagas que no outro, possam refletir a nossa própria realidade.
É, vendo a Cristo, abraçar o outro com devoção e ternura, a mesma ternura que moveu Francisco e Clara em sua gigantesca obra.

Conclusão

Estas são apenas algumas reflexões surgidas em nós, referentes às inúmeras possibilidades de transformação que surgem  a partir de uma prática de valorização dos olhos como elemento maior de evangelização e acolhimento. Estar atento ao outro em todos os momentos nos parece à palavra de ordem para a fase em que vivemos em nosso planeta. Ensinar e assistir são dois pontos fundamentais em nossa fé e a eles devemos estar muito atentos. Porém, em nossa singela opinião, buscando alicerçá-la numa leitura franciscana do evangelho, somente através dos olhos conseguiremos de fato assistir e ensinar de uma forma genuinamente cristã e transformadora.

Paz e bem!

Dom Theófilo Leo