Franciscanismo

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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Formação Franciscana

OS PERIGOS DO SABER E DA CIÊNCIA

Um noviço veio ter com Francisco dizendo: "Pai, seria para mim uma grande consolação ter um saltério". Respondeu-lhe o santo: "E quando tiveres o saltério, vais querer um Breviário. Depois, instalado na tua cadeira, como um grande prelado, dizes ao teu irmão: 'Traze-me cá o breviário'". Dizendo isto, pega um pouco de cinza, leva-a à cabeça, esfregando-a com a mão, como que a lavá-la e falando para consigo: "É este o meu breviário"! E repetia gesto e palavras, muitas vezes.
Por fim, disse Francisco: "Irmão, também eu tive a tentação dos livros; mas para conhecer a vontade do Senhor peguei no livro dos Evangelhos e pedii que ma desse a conhecer na primeira página em que eu o abrisse. Terminada a oração, abri o livro e deparei com este versículo: 'A vós é dado conhecer o reino de Deus, mas aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas'". E acrescentou: "São tantos os que querem subir os degraus da ciência que bem-aventurado será o que a ela renuncia, por amor do Senhor Deus" (LegPer, 72).
I. INTRODUÇÃO
Saber e a Formação têm que servir ao bem da pessoa sem, entretanto, fornecer-lhe motivo para se enaltecer acima dos outros com a pretensão de dominá-los. Foi esta a preocupação de Francisco e Clara.
É evidente que os Irmãos e as Irmãs que pretendem ser missionários devem ter correspondente preparo e formação. Hoje se tornou óbvio que, para tanto, se aprendam línguas, que se estude e se saiba apreciar a cultura na qual se vai atuar. O propósito desta lição, porém, não é tratar dessas evidências.
Trataremos, isto sim, da capacitação do/da missionário/a no sentido escpefificamente franciscano. A propósito, é bom lembrar que para Francisco não se pode fazer separação rígida entre um desempenho missionário no meio de um povo já cristianizado e o empreendimento evangelizador entre os não-crentes. Em ambos os casos, trata-se de um e mesmo objetivo: o da vida conforme o Evangelho, do anúncio do reino de Deus, que já chegou pela Encarnação de Deus em Jesus de Nazaré, o Cristo. Trata-se da missão de sermos testemunhas desta realidade por meio da palavra e da ação, por todo o nosso ser. A formação deve ter em vista esses objetivos. Só se é missionário/a segundo o ideal e o espírito de São Francisco, à medida que se crescer no modo de vida franciscano original.

II. VISÃO DE CONJUNTO

Sobretudo convém livrar-se de conceitos tradicionais já ultrapassados da formação
O Congresso Internacional e Interfran-ciscano de Mattli (1982) elaborou princípios decisivos. Nele se alertou para o fato de a formação tradicional já não ser suficiente, para se poder enfrentar os desafios atuais. A formação deixou de ser apenas uma fase ou etapa na vida; transformou-se em uma dimensão que determina a vida inteira, de tal maneira que o indivíduo permanece aprendiz, isto é, em formação durante todo o transcurso da vida. Daí, pode-se concluir não ser tanto o indivíduo o objeto da formação, mas a comunidade como um todo. Não se pode mais aprender sozinho, hoje em dia, e, sim, mediante intercâmbio vivo com outros.
Para o movimento franciscano, torna-se mais que evidente que Francisco e Clara são os modelos da formação. Deles é que se aprende a ser e a amadurecer como pessoa franciscana e missionária.
Tão-somente a partir dessa perspectiva básica é que se pode fazer uma re-interpretação do caminho tradicional de formação, com vistas a uma atuação autenticamente franciscana e missionária.
Finalmente, vamos frisar com especial insistência a significação missionária dos objetivos da formação.

III. INFORMAÇÃO

Quando ouvimos a palavra "Formação"
Pensamos logo em escola, universidade e livros. Essa é uma concepção muito pobre e limitada. Precisamos voltar a uma conceituação bem mais ampla e profunda, mais correspondente à espiritualidade franciscana.

1. "Mattli" (1982)
No Congresso interfranciscano de Mattli (Suíça) foi proposto o re-avivamento do ideal de formação original de Francisco. Por isso, transcrevemos aqui o texto dessa importante proposta:
"Constatamos que a Igreja e o mundo se transformaram cada vez mais rapidamente. Daí, também o perigo de se tornarem rapidamente insuficientes as tradicionais concepções e modelos de aprendizagem e, mesmo, de formação permanente. Lembramo-nos de Francisco, sempre aberto aos sinais de tempo. Ele nunca enfrentava situações com idéias pré-concebidas. Até o final de sua vida, manteve-se disposto a aprender do mais jovem dos noviços. Desejava que a formação transcorresse antes em leprosários que em escolas superiores (LegPer 9). Estava convencido de que nada se aprende, se antes não se tiver praticado. Mesmo a formação teológica deveria servir primeiro à conversão pessoal e, só depois, à pregação.
Por isso, como irmãos e irmãs, queremos, sobretudo, aprender uns dos outros, pela troca de experiências, pela leitura em grupo da Sagrada Escritura, pela oração em comum, pela Fração familiar do Pão e pela análise conjunta das situações. Correção fraterna é parte sobremaneira importante nesse processo.
Especialmente nós, franciscanos e franciscanas, devemos levar muito a sério a frase de Gregório Magno: "Nossos mestres são os pobres; nossos sábios e doutores, os humildes" (Mattli 10).
Este texto de Mattli, que acabamos de citar, merece ser desenvolvido e analisado mais de perto.


1.1 A insuficiência da formação tradicional
O documento aponta claramente a insuficiência da formação usual tradicional, que acreditava que na infância e na juventude se poderiam adquirir todos os conhecimentos necessários para as exigências futuras da vida, sem precisar de uma ulterior reciclagem ou renovação.
Até na própria Ordem se pode ouvir ocasionalmente a opinião de que no noviciado e na "fase de formação" (estudo da Teologia, especialização...) se poderia adquirir um "pacote" de receitas e de conteúdos de aprendizagem, no qual estaria contido tudo quanto fosse necessário para o posterior desenvolvimento prático da vida e da atuação apostólica.

Nos últimos tempos, porém, nós nos tornamos cada vez mais conscientes do fato que o mundo e a Igreja se transformaram constante e muito rapidamente. As necessidades do tempo presente tendem a fugir ou a se incompatibilizar com a formação anterior. Sentimo-nos incapazes de enfrentar as realidades e exigências de cada nova situação. Ao atual modo do ser humano pertencem, essencialmente, abertura, clarividência, prontidão para o novo e consciência de que de cada pessoa se reclama constante aprendizagem e readaptação. Daí, que se terá de trocar o velho conceito de formação pela convicção de que todo o transcurso da vida é um processo de aprendizagem, ao qual devemos dedicar-nos com o ser e o coração sempre atentos.
Isto não significa que seja supérflua esta fase tradicional de formação inicial ou que se possa minimizá-la. Ela permanece necessária; mas deverá ser encarada apenas como rientação prévia geral.

1.2 A Comunidade como sujeito de formação
Inicialmente, a própria comunidade terá que ser entendida como constante aprendizagem. Ela não deve pretender transmitir, como por um passe de mágica, a forma de como deve viver, hoje em dia, uma pessoa de orientação franciscana. Evidentemente, terá que saber mostrar e elucidar ao jovem a nossa forma de vida: "Explique-se diligentemente em que consiste o nosso gênero de vida" (RegNB 2,3). Mas não se pode pretender fazer isso, hoje, dentro do estilo da escola tradicional. Os candidatos terão que ser encaminhados dentro de seu processo pessoal de busca de formação. A comunidade, como tal, é que deverá abrir-se para sua própria formação permanente e à sua missão formadora franciscana.
Os vários elementos do documento de Mattli elucidam isto:
>> Aprender uns dos outros
Insiste-se numa concepção horizontal de formação, isto é, não se trata de alguns indivíduos que sabem tudo e de outros que não sabem nada. Cada um é, a um tempo, mestre e aprendiz.

>> Troca de experiências
Aprender é encontrar-se com experiências de outrem. "Experiência é ciência", reza o ditado. Conhecimento só por livros não é nem suficiente nem prudente. Quanto mais se somarem experiências vivas numa comunidade, tanto maiores serão as chances de aprender, contanto que não se guardem as experiências para si, mas que sejam compartilhadas.
>> Leitura comunitária da Bíblia
O livro mais apto para a formação de pessoas de índole franciscana é o Evangelho. Pois Francisco não desejava outra coisa, senão "viver conforme o Santo Evangelho". No entanto, não se deve ler esse livro de modo individualista. É o livro da Igreja, da comunidade de Fé. Por isso mesmo, é somente através da leitura comum das Sagradas Escrituras que se consegue captar a Boa-Nova e descobrir os fundamentos da vida cristã. Também aqui é importante que as experiências individuais se somem ao esforço comum para se entender a Bíblia Sagrada. Justamente as diferentes experiências de Fé são uma chave para a compreensão da mensagem bíblica.
>> Oração em comum
Também a oração é um fator de formação. Na oração feita em comum a pessoa afirma sua fé e enriquece sua noção de valores, aprende a atitude orante, assim como a maneira de canalizar e exprimir suas emoções.
>> Fracão comunitária do Pão
Também a Eucaristia é um fator de formação. Isso deve ser afirmado especialmente a partir de uma compreensão franciscana. Francisco considerava-se encarregado de uma missão eucarística mundial. Suas cartas vêm marcadas por pensamentos eucarísticos. Trata-se, numa palavra, de redescobrir, sempre de novo, as razões primeiras e únicas de nossa missão, ou seja, Jesus Cristo morreu pela salvação da humanidade, seu sangue "é derramado por vós e por todos".
>> A mútua correção fraterna
Importante instrumento da formação acima delineada é a correção fraterna. Ela se torna necessária e possível mediante a aceitação de que cristão é aquele que se dispõe à constante conversão proposta pelo Evangelho. Atitudes fingidas, juízos errôneos, comportamentos prejudiciais, tudo pode ocorrer numa comunidade de irmãos e irmãs. Se tais comportamentos negativos se confrontarem com a correção fraterna, poderão transformar-se em excelentes fatores formativos. Isto, porém, somente será possível num ambiente em que reina a confiança mútua que encoraja e constrói.
>> Os pobres como mestres
Aqui, o documento de Mattli atinge dimensões realmente proféticas. Os verdadeiros mestres são os pobres. São eles os que nos desafiam e nos revelam a verdadeira face da humanidade e suas possibilidades de transformação. Nenhum professor universitário, nenhum livro erudito, nenhum saber humano, mesmo dos mais profundos, é capaz de conduzir àquelas profundezas, onde o indivíduo começa a ser "pessoa" humana. Só os pobres revelam tais profundezas. Justamente essa convicção deve ser fundamental para franciscanos e franciscanas, uma vez que essa mesma experiência foi determinante para Francisco e Clara. Uma formação franciscana não pode ser autêntica, se ela não levar em conta o contexto dos pobres. Em outras palavras, irmãos e irmãs em fase de formação precisam necessariamente estar em contato com o mundo dos pobres.
>> Análise comunitária das situações
Tudo deverá ser abordado e reavaliado, vez por vez, compreendido caso por caso, de forma particular: a situação com que nos defrontamos, as estruturas dentro das quais vivemos, o contexto sempre novo de nossas atuações. Caso contrário, fica-se à beira da estrada e fora do tempo da vida, sem ouvir a voz de Deus que nos fala, precisamente, dentro das realidades de cada dia. Por isso, deve-se tomar cada situação como um real e concreto fator de formação. A análise exata de cada evento é tarefa também de cada comunidade, por exemplo, pelo método "Ver - Julgar - Agir".
Neste contexto, cada continente, cada nação, cada cultura há de identificar a própria situação e as próprias circunstâncias para que a mensagem do Evangelho possa reviver sempre de novo.
Em qualquer caso, a análise exata da situação é um pressuposto do processo permanente de aprendizagem. Flexibilidade, abertura e a vivência de relações interpessoais concretas são mais importantes do que "avaliações" previamente feitas que não correspondem às realidades concretas.

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